Arquiteto diz que Câmara não defende patrimônio

Fonte: Folha de S. Paulo

 

Nestor Goulart Reis Filho atacou vereadores por tentarem esvaziar Conpresp

Professor da FAU defende mudanças na forma de fazer tombamentos de imóveis em São Paulo, para que não sejam definidos caso a caso

AFRA BALAZINA
DA REPORTAGEM LOCAL

O professor da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP) Nestor Goulart Reis Filho critica a tentativa da Câmara de enfraquecer o Conpresp (conselho municipal do patrimônio histórico), responsável por tombamentos em São Paulo. "Se vereador conseguisse proteger patrimônio público, a área dos mananciais não estaria invadida por 1 milhão de pessoas urinando na água que nós bebemos." Pelo projeto aprovado pelos vereadores neste mês -atendendo a pressões do setor imobiliário- o conselho se torna um órgão meramente consultivo, pois as decisões de tombamento dependeriam de aval do prefeito e a preservação das áreas envoltórias precisariam passar pela Câmara. Gilberto Kassab (DEM) já anunciou que vetará o projeto e criará outro, ainda não apresentado. Leia abaixo a entrevista.

 

FOLHA - Como o sr. avalia a atuação do Conpresp?
NESTOR GOULART REIS FILHO
- Ele está mais atuante do que estava. Isso termina por gerar mais atrito. A dinâmica urbana hoje é muito mais intensa e ao mesmo tempo a dinâmica do setor empresarial imobiliário é muito mais intensa também. Os empresários hoje não trabalham com pequena escala, com lote pequeno. Também estão investindo mais dinheiro. Então, quando há atrito, o risco de prejuízo é muito maior.

FOLHA - Deve haver uma modernização na atuação do órgão?
REIS FILHO
- Eu defendo que nós adotemos critérios parecidos com os dos europeus, seja para proteção do patrimônio cultural ou natural. Temos que pegar e fazer um plano de preservação por bairro, que indique o que precisa ser preservado em suas diferentes escalas de preservação. Temos que indicar aquilo que deve ser conservado dentro de certas condições, fachadas ou interior das casas, ou aquilo que necessariamente deve ser substituído. A solução de derrubar tudo para construir novo é tão primária quanto o sistema tradicional de tombamento caso a caso. Em 1937 tinha sentido tombar isoladamente cada edifício e sua área envoltória. Em 2007, isso cria uma faixa de atrito gigantesca.

FOLHA - O sr. pode dar exemplos?
REIS FILHO
- Nos anos 70, sugeri aos colegas que nós fizéssemos um plano desse tipo na avenida Paulista, para preservar os casarões e exigir que os edifícios novos fossem construídos na al. Santos e São Carlos do Pinhal. Concordaríamos que fossem destruídos os fundos dos lotes para verticalizar, com a condição de preservar. Isso não foi feito e a av. Paulista foi destruída. O único caso que sobrou foi a Casa das Rosas.

FOLHA - Como o sr. vê a investida dos vereadores para ganhar poder no Conpresp?
REIS FILHO
- Os empresários que me desculpem, mas não vai ser transferindo o conselho para os vereadores que o problema será resolvido. Se vereador conseguisse proteger patrimônio público, a área dos mananciais não estaria invadida por um milhão de pessoas urinando na água que bebemos todos os dias.

FOLHA - Qual é a saída?
REIS FILHO
- O Conpresp tem que receber recursos e contratar arquitetos de renome e estudos para esses bairros que tracem regras claras para os empresários não perderem dinheiro. E, ao mesmo tempo, [têm de] exigir deles melhores projetos, integrando o antigo com o novo. Isso é planejamento urbano.

FOLHA - Como poderíamos aproveitar as áreas históricas em projetos modernos?
REIS FILHO
- Se pega uma vila do Brás ou da Mooca, ela pode servir de entrada para pedestres, pode ter uma entrada interessantíssima, um jardim. Pode usar o velho pavilhão industrial como garagem ou área esportiva. E assim por diante.

FOLHA - Acha que é preciso ampliar o número de conselheiros?
REIS FILHO
- Quanto mais conselheiro você põe menos funciona o órgão. Começa a pôr um monte de profissionais que não entendem do assunto e começam a ter idéias as mais disparatadas, às vezes até de propor o tombamento daquilo que não deve ser tombado. Não acho que seja positivo.