Kassab vai refazer projeto de lei que altera Conpresp

Fonte: Folha de S. Paulo

 

Com as mudanças, Câmara terá menos poder do que na proposta aprovada, mas autonomia do conselho também sofrerá restrições

Prefeito confirma que vetará o projeto dos vereadores, mas deve manter alguns itens; número de integrantes será ampliado

EVANDRO SPINELLI
AFRA BALAZINA
DANIELA TÓFOLI
DA REPORTAGEM LOCAL

O prefeito Gilberto Kassab (DEM) vai refazer o projeto, aprovado anteontem pela Câmara, que tira poderes do Conpresp (conselho municipal de preservação do patrimônio histórico). Ele confirmou ontem que vetará a proposta da Casa.
Kassab afirmou que isso depende de parecer de sua assessoria jurídica, mas esse é apenas um passo burocrático. A Câmara pode derrubar o veto, mas o prefeito tem maioria e deve prevalecer sua decisão.
Em seguida, afirmou o prefeito, será montado um grupo de trabalho para elaborar um novo projeto de lei.
Nas mudanças de Kassab, a Câmara terá menos poder do que no projeto aprovado pelos vereadores, mas a autonomia do Conpresp também sofrerá restrições. Parte das decisões do conselho, que hoje tem total autonomia, precisará ser homologada pelo prefeito.
O órgão deve passar de 9 para 15 membros. Entre os novos integrantes estará o Secovi (sindicato da habitação).
Algumas mudanças feitas pela Câmara serão mantidas. Várias são reivindicações do setor imobiliário, como o estabelecimento de prazo para deliberações do conselho e a necessidade de audiências públicas e reuniões abertas à comunidade.
A Folha revelou na quarta-feira que 24 dos 55 vereadores receberam recursos de empresas do setor imobiliário nas eleições de 2004. Kassab também tem ligações com o setor. Por nove anos, foi conselheiro do Creci (Conselho Regional de Corretores de Imóveis), sendo seis como vice-presidente.
No projeto aprovado pelos vereadores, o Conpresp perde seu caráter deliberativo, pois todos os tombamentos precisam ser sancionados pelo prefeito e as mudanças dos entornos dos bens tombados precisam de aval da Câmara.
Kassab não pretende dar essa autonomia à Câmara e manterá o poder do Conpresp sobre tombamentos. Mas tudo indica que as alterações nos entornos dependerão de aval do prefeito.
O projeto poderá sofrer alterações na Câmara, que resiste em abrir mão de decidir sobre os entornos. O principal argumento é que o conselho altera o zoneamento da cidade ao estabelecer restrições de altura para os prédios novos num raio de 300 m do bem tombado.
Para vetar, Kassab apontará "vício de iniciativa", pois só o Poder Executivo teria autonomia para enviar projeto com mudanças nas atribuições do conselho. O presidente da Câmara, Antonio Carlos Rodrigues (PR), questiona esse argumento. Ele lista uma série de projetos e leis de autoria de vereadores que criam conselhos. Entre eles, a lei 11.418, de 1993, que cria o Conselho Municipal de Telecomunicações. O autor: o então vereador Kassab.

PATRIMÔNIO: ENTIDADES E ESPECIALISTAS CRITICAM PROJETO
Entidades e especialistas criticaram o projeto da Câmara, mas defenderam mudanças no Conpresp. O Instituto de Arquitetos do Brasil em São Paulo enviou a Kassab um pedido para que o vete. "Como pode um órgão deliberativo tornar-se consultivo? O Conpresp tem de ser técnico, e não político", disse o presidente Arnaldo Martino. Lucila Lacreta, do Movimento Defensa São Paulo, afirma que a história e a memória da capital estão em risco. "Não é prerrogativa da Câmara decidir sobre esse assunto", disse.
"Para mim, está claro o interesse do setor imobiliário."
O professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP Silvio Dworecki vê a atitude como autoritária. "É uma violência. O Conpresp deveria ser ampliado, e não reduzido a quase nada." Para a professora da FAU Regina Meyer, que foi conselheira do Conpresp, o projeto o torna um órgão acessório.
"Espero vivamente que o prefeito vete essa loucura."

CÂMARA: VEREADOR DIZ TER DADO "O TROCO" EM EX-PRESIDENTE
O presidente da Câmara, Antonio Carlos Rodrigues (PR), admitiu ontem que liderou a aprovação do projeto para "dar o troco" no ex-presidente do Conpresp José Eduardo Lefévre. Ele disse que pediu, por telefone em 17 de julho, que Lefévre adiasse por 48 horas a votação do tombamento do Moinho Santo Antônio. "Ele falou que do Conpresp ele cuidava. Taí, eu tô dando o troco para ele. Da Câmara eu cuido." Procurado, Lefévre não quis se pronunciar.

SINDICATO: PARA SECOVI, PROPOSTA NÃO TEM NADA DE ESTRANHO
O Secovi (sindicato da habitação) defende as mudanças no Conpresp aprovadas pela Câmara. O vice-presidente da entidade, Claudio Bernardes, disse que não achou nada de estranho no projeto dos vereadores. Ele apenas aponta uma nova mudança: o conselho deve ser ampliado. E, entre os novos integrantes, Bernardes defende a inclusão do Secovi. O setor imobiliário é um dos principais críticos à atuação do Conpresp. Decisões recentes do órgão prejudicaram o setor, como no tombamento do Moinho Santo Antônio, na Mooca (zona leste), que inviabilizou novos empreendimentos no entorno. "Estão fazendo a coisa um pouco maior do que ela é. Preservação do patrimônio histórico é importante e ninguém discute. Preservação do entorno também. Mas é preciso ter regras", afirmou. "Não vi nada no projeto que possa colocar em risco o patrimônio histórico."