Estado compra briga pelo patrimônio em SP

Fonte: O Estado de S. Paulo

Sérgio Duran

O governo do Estado publicará no Diário Oficial, nos próximos dias, a desapropriação do conjunto de edificações do antigo Moinho Gamba, concorrente direto do conde Francisco Matarazzo no século passado, localizado na Mooca, zona leste de São Paulo. O objetivo é construir um museu no local, conhecido hoje como Moinho Santo Antônio.

Esse seria um assunto puramente cultural, não fosse o imóvel um dos motivos da guerra travada nos últimos dois meses entre a Câmara Municipal, o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico (Conpresp) e o setor imobiliário. Desde junho, o Conpresp restringiu a construção de prédios vizinhos a bens históricos do Museu do Ipiranga e do Parque da Aclimação, zona sul, e na região de galpões industriais da Mooca. Houve protestos generalizados das construtoras na cidade.

Grandes empresas têm empreendimentos lançados ou prestes a sair do papel nesses três bairros. No Ipiranga, a chegada da estação de metrô esquentou o ramo de imóveis. Os galpões da zona leste deram lugar a uma pólo de lançamentos batizado pelo mercado de Nova Mooca.

Rapidamente, vereadores assumiram o discurso das empresas imobiliárias e aprovaram um projeto de lei, na quinta-feira, que retira o poder do Conpresp. No dia seguinte, o prefeito Gilberto Kassab (DEM) afirmou que vetaria o projeto, mas assumiu ser favorável a mudanças no conselho.

A julgar pela movimentação que as brigas na Câmara provocaram no Palácio dos Bandeirantes, porém, a situação não será revertida nessas regiões nem mesmo se o Conpresp recuar e liberar os arranha-céus na Mooca, no Ipiranga e na Aclimação.

Na segunda-feira, o Conselho Estadual de Defesa do Patrimônio Histórico, o Condephaat, analisará as resoluções tomadas pelo Conpresp nessas regiões. Segundo João Sayad, secretário estadual de Cultura - pasta à qual o Condephaat está submetido -, a tendência é de os conselheiros referendarem as restrições aprovadas no âmbito municipal. 'Tem de haver um equilíbrio entre preservação do patrimônio e interesses do mercado imobiliário, que são legítimos. Isso foi rompido nesse conflito', disse Sayad.

PAISAGEM

O argumento usado pelos técnicos do patrimônio para vetar prédios nos terrenos vizinhos a bens históricos é o da preservação da paisagem. No Ipiranga, a parede de arranha-céus poderia comprometer o conjunto arquitetônico e a visão da colina de onde d. Pedro I proclamou a Independência e onde hoje está o museu que serve de estampa a folhetos de novos empreendimentos da região.

Na Mooca, no quadrilátero colado à linha ferroviária, a iniciativa do Conpresp foi a primeira para proteger uma área que tem construções importantes da história econômica da cidade, desde o Gamba, hoje desapropriado, aos armazéns da antiga São Paulo Railway, de 1898.

Oposição tucana teve dedo de Serra

Segundo vereadores, governador orientou bancada do PSDB a votar contra projeto que esvazia Conpresp

Érgio Duran e Fabiane Leite

O projeto que obriga o Conpresp a submeter suas decisões à aprovação dos vereadores rachou a base de sustentação do governo Gilberto Kassab (DEM). Segundo vereadores que não quiserem se identificar, por trás da oposição maciça da bancada do PSDB estava o próprio governador José Serra.

Criado na Mooca e afeito às tradições do bairro da zona leste de São Paulo, Serra pediu a parlamentares que votassem contra o projeto. Além dos 12 tucanos, outros três petistas também reprovaram a proposta, de autoria das lideranças da Câmara.

A interlocutores, Kassab disse que preferia 'lavar as mãos'. Sem saber, o presidente da Câmara Municipal, Antônio Carlos Rodrigues (PL), articulador dos 39 votos favoráveis, lutava contra Serra.

Há dois meses, Rodrigues se posicionou contra as decisões do Conpresp. O vereador Juscelino Gadelha (PSDB) era o representante da Câmara no conselho quando foi decidido o veto à construção de prédios no entorno do Museu do Ipiranga e do Parque da Aclimação, na zona sul. Quando a Mooca entrou na pauta, o presidente da Câmara se mobilizou.

Rodrigues chegou a pedir o processo de tombamento para analisar e não devolveu os originais. No dia da sessão, ele telefonou para o local onde o conselho se reunia para tentar impedir a votação e discutiu com o então presidente, o arquiteto José de Assis Lefèvre. Na plenária de quinta-feira, quando aprovou o projeto que esvaziava o Conpresp, Rodrigues discursou contra Lefèvre.

REPERCUSSÃO

Especialistas protestaram contra o projeto da Câmara e elogiaram a decisão do governo Serra de entrar na briga. 'O Condephaat decidir tombar é correto. Ele tem mais poder e pode perfeitamente fazer isso', afirmou Nestor Goulart dos Reis, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), da Universidade de São Paulo (USP). 'O governo dá força à decisão do conselho (municipal), o que é muito importante', disse Reis sobre a desapropriação da área do Moinho Santo Antônio.

Para o professor da FAU, 'as medidas que a Câmara tomou contrariam tudo o que foi feito em termos de patrimônio no Brasil desde 1937 e também toda a experiência internacional nessa área, em que as decisões são técnicas'. 'A decisão dos vereadores acaba sendo uma posição política, e não em interesse da coisa pública', afirmou.

O presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Gilberto Belleza, disse que a decisão do governador de desapropriar a área é louvável - 'uma crítica à posição da Câmara'. 'Haverá desvalorização imobiliária, mas uma valorização do ponto de vista da cidade. Quando o governador intervém, ele reconhece a importância dessas construções para o Estado', afirmou Belleza.

Segundo uma das maiores especialistas em arquitetura industrial da cidade, que preferiu não se identificar, a decisão de Serra demandará um enorme uso de recursos públicos. 'Sou contra. Esses recursos deveriam ser aplicados é na educação, e não em uma desapropriação por causa de uma briga política.' Oposição tucana teve dedo de Serra

Segundo vereadores, governador orientou bancada do PSDB a votar contra projeto que esvazia Conpresp

Érgio Duran e Fabiane Leite

O projeto que obriga o Conpresp a submeter suas decisões à aprovação dos vereadores rachou a base de sustentação do governo Gilberto Kassab (DEM). Segundo vereadores que não quiserem se identificar, por trás da oposição maciça da bancada do PSDB estava o próprio governador José Serra.

Criado na Mooca e afeito às tradições do bairro da zona leste de São Paulo, Serra pediu a parlamentares que votassem contra o projeto. Além dos 12 tucanos, outros três petistas também reprovaram a proposta, de autoria das lideranças da Câmara.

A interlocutores, Kassab disse que preferia 'lavar as mãos'. Sem saber, o presidente da Câmara Municipal, Antônio Carlos Rodrigues (PL), articulador dos 39 votos favoráveis, lutava contra Serra.

Há dois meses, Rodrigues se posicionou contra as decisões do Conpresp. O vereador Juscelino Gadelha (PSDB) era o representante da Câmara no conselho quando foi decidido o veto à construção de prédios no entorno do Museu do Ipiranga e do Parque da Aclimação, na zona sul. Quando a Mooca entrou na pauta, o presidente da Câmara se mobilizou.

Rodrigues chegou a pedir o processo de tombamento para analisar e não devolveu os originais. No dia da sessão, ele telefonou para o local onde o conselho se reunia para tentar impedir a votação e discutiu com o então presidente, o arquiteto José de Assis Lefèvre. Na plenária de quinta-feira, quando aprovou o projeto que esvaziava o Conpresp, Rodrigues discursou contra Lefèvre.

REPERCUSSÃO

Especialistas protestaram contra o projeto da Câmara e elogiaram a decisão do governo Serra de entrar na briga. 'O Condephaat decidir tombar é correto. Ele tem mais poder e pode perfeitamente fazer isso', afirmou Nestor Goulart dos Reis, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), da Universidade de São Paulo (USP). 'O governo dá força à decisão do conselho (municipal), o que é muito importante', disse Reis sobre a desapropriação da área do Moinho Santo Antônio.

Para o professor da FAU, 'as medidas que a Câmara tomou contrariam tudo o que foi feito em termos de patrimônio no Brasil desde 1937 e também toda a experiência internacional nessa área, em que as decisões são técnicas'. 'A decisão dos vereadores acaba sendo uma posição política, e não em interesse da coisa pública', afirmou.

O presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Gilberto Belleza, disse que a decisão do governador de desapropriar a área é louvável - 'uma crítica à posição da Câmara'. 'Haverá desvalorização imobiliária, mas uma valorização do ponto de vista da cidade. Quando o governador intervém, ele reconhece a importância dessas construções para o Estado', afirmou Belleza.

Segundo uma das maiores especialistas em arquitetura industrial da cidade, que preferiu não se identificar, a decisão de Serra demandará um enorme uso de recursos públicos. 'Sou contra. Esses recursos deveriam ser aplicados é na educação, e não em uma desapropriação por causa de uma briga política.'

O projeto da Câmara é necessário?

Paulo

NÃO

Paulo Bastos *

Desde o Decreto-Lei 25, de 1937, inspirado por Mário de Andrade, o Brasil ingressou em uma etapa superior de civilização, ao criar o Iphan (nome atual do órgão federal de preservação) e instituir normas de preservação e tombamento do patrimônio cultural. Algo essencial para a preservação da memória coletiva: perdas, nessa área, são irreversíveis. Seguiu-se a criação de órgãos estaduais, como o Condephaat, e municipais, como o Conpresp, em São Paulo, com responsabilidades estabelecidas nas Constituições Federal e Estaduais e Leis Orgânicas dos Municípios.

O tombamento é um ato técnico, baseado em estudos especializados, que não deve estar submetido a injunções políticas. Atende a um dos direitos básicos da sociedade: o da fruição do patrimônio acumulado ao longo de sua evolução.

Normas internacionais recomendam a inserção da preservação no processo de planejamento, o que não tem acontecido em São Paulo, na terra-de-ninguém em que a cidade se constituiu, com a tosca visão dos poderes públicos. A preservação de um bem edificado não se reduz a ele próprio. Não há sentido em protegê-lo e, ao mesmo tempo, permitir seu ocultamento por obras.

A lei aprovada na semana passada que transfere para a Câmara atribuições do Executivo afronta a Constituição e agride o direito de proteger o que restou da destruição massiva de bens culturais, operada em nome de duvidosa modernização, atrelada à voracidade do lucro e ao carreirismo político. Audiências públicas para julgar se algo deve ser tombado? Não haver proteção sem decisão final? São ótimas providências para que os interessados ponham tudo abaixo antes que algo aconteça.

É ridículo que vereadores se arvorem em árbitros (majoritários) do que se deva preservar. Tudo isso agravado pelo poder de destombar, de jogar no lixo o que já foi conquistado.

*Paulo Bastos, arquiteto, é ex-presidente do Condephaat


SIM

Cláudio Bernardes*

É inquestionável a necessidade de preservação do patrimônio histórico e paisagístico da cidade de São Paulo e do ordenamento na ocupação do entorno de bens tombados. Por outro lado, em atendimento aos princípios da gestão democrática, previstos no artigo 43 da lei federal 10.257, torna-se imprescindível emprestar transparência a todo este processo. Desta forma, no último dia 23 de agosto foi aprovada pela Câmara lei que aperfeiçoa a legislação relativa aos processos de tombamento.

A lei trouxe avanços para a transparência do processo, como a necessidade de audiências públicas, e a abertura das reuniões em que serão deliberados os tombamentos, à participação dos interessados, de tal forma que possam assistir à deliberação a ser tomada pelo conselho. Ela corrigiu também distorção sobre os processos em trâmite. Pela lei anterior, uma vez aberto o processo de tombamento, o imóvel, mesmo que ainda não tombado, sofre as mesmas restrições daquele já tombado. É uma salvaguarda importante.

Todavia, existem processos que foram abertos há mais de dez anos e ainda não tiveram um desfecho, o que é inaceitável. Pelas disposições da nova lei, haverá um prazo de 180 dias após a abertura do processo para que o imóvel seja tombado, o que sem dúvida corrige a distorção existente. Outra questão importante é o estabelecimento de que caso haja necessidade de mudança na legislação para o adequado ordenamento do entorno do bem tombado, essa alteração deverá ser feita por uma lei, não sendo possível resolução do Conpresp alterar a legislação. A nova lei aperfeiçoa a legislação existente para, sem embaraços à preservação do patrimônio histórico, garantir o necessário respeito à transparência e aos princípios fundamentais da democracia.

*Cláudio Bernardes é vice-presidente do Secovi-SP e pró-reitor da Universidade Secovi