Em agosto, Biblioteca Mário de Andrade fecha por 18 meses

Fonte: O Estado de S. Paulo

Obras no prédio, que tem 3,3 milhões de itens estagnados há 30 anos, custarão R$ 13 mi

Humberto Maia Junior

Há 50 anos, o artista e crítico literário Sérgio Milliet já pedia reformas na Biblioteca Municipal Mário de Andrade, no centro de São Paulo. Desde então, pouco foi feito pela segunda maior biblioteca do Brasil, atrás apenas da Biblioteca Nacional, no Rio, e visitada por 135 mil pessoas no ano passado. A situação, porém, pode mudar: a Prefeitura assinou ontem contrato com uma empresa, que tem um mês para começar reforma do prédio, sede da biblioteca desde 1942.

A reforma deve demorar um ano e meio, período em que o prédio ficará fechado para visitação. O acervo só será liberado a pesquisadores que não puderem consultar outras fontes. Nesse caso, é preciso ligar no ramal 213 do telefone 3356-5270, da Divisão de Acervo. O acervo circulante, formado por 30 mil livros que podem ser emprestados a qualquer pessoa, segue disponível numa casa na Rua da Consolação, 1.024.

O prefeito Gilberto Kassab (DEM) diz que a Prefeitura vai contratar funcionários para a biblioteca, mas não estipulou prazos. “Já pedi ao secretário de Gestão (Januário Montone) que buscasse entendimentos com o secretário de Governo (Clóvis Carvalho) para atender a essa demanda.”

Com custo estimado em R$ 13 milhões - R$ 11 milhões obtidos com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e R$ 2 milhões da Prefeitura -, a obra vai recuperar as fachadas, o mobiliário original e a estrutura, além da impermeabilizações nas lajes - que hoje sofrem com infiltrações - e investimentos em segurança e proteção do acervo.

Na segunda etapa da reforma, orçada em R$ 11,5 milhões, será incorporado ao complexo da biblioteca o prédio do Instituto da Previdência do Estado de São Paulo (Ipesp). O local onde hoje é a sala de leitura vai abrigar o acervo circulante. Com mais espaço, a promessa é dobrar o número de livros e, com isso, resolver um dos principais problemas apontados pelo secretário municipal de Cultura, Alexandre Calil: segundo ele, há 30 anos a falta de espaço impede o aumento do acervo, com cerca de 3,3 milhões de itens. “A biblioteca está sem condição de receber novos livros e jornais.”

Ele admite: o acervo, além de defasado, não está em boas condições. “Já fizemos análise dos jornais e o grau de deterioração é assustador.” Falta a análise dos livros, mas, segundo Calil, a estrutura inadequada de armazenamento e a forma incorreta de manuseio indicam que a situação não deve ser boa. “Vamos corrigir essas falhas na reforma”, diz.

“Recuperar o acervo é um projeto de décadas, mas tem de começar um dia”, disse Calil, que diz que a Petrobrás doou R$ 400 mil para a restauração de jornais e periódicos que estão na Biblioteca de Santo Amaro, na zona sul.

Outra mudança é a retirada das grades que circundam o prédio, que será integrado com a Praça D. José Gaspar. Calil diz não temer que a medida facilite atos de vandalismo.

“Não acho que muros altos e grades afastam vândalos”, disse. “Não é com isso que se combate o problema. Ao contrário. Cada vez mais temos de abrir prédios públicos.” 18 de 130 itens furtados foram recuperados

Foram recuperadas 18 das pelo menos 130 obras que faziam parte do acervo da Biblioteca Municipal Mário de Andrade e foram furtadas. O crime só foi descoberto em setembro de 2006 e funcionários são suspeitos. Na lista de obras furtadas, há edições raras de livros de Graça Aranha, José de Alencar e Machado de Assis, além de gravuras de Rugendas e Debret.

'Para qualquer canto que você olhe tem um problema'

Entrevista

Luís Francisco Carvalho Filho: diretor

Diretor deseja transformar biblioteca em fundação, para poder captar dinheiro da iniciativa privada, além de receber doações

Humberto Maia Junior

Luís Francisco Carvalho Filho se tornou diretor da Biblioteca Municipal Mário de Andrade por acaso. Advogado, resolveu fazer no local uma pesquisa sobre punição criminal na época do Brasil Colônia. “Vi o estado da biblioteca, comecei a me aproximar e acabei vindo para cá.” Desde fevereiro de 2005, tem de superar a falta de recursos (o orçamento do ano passado foi de cerca de R$ 1,5 milhão) para recuperar a segunda maior biblioteca do Brasil. Para ele, a tarefa seria mais fácil se o local fosse transformado em fundação.

Como é dirigir a biblioteca?

É um trabalho difícil. A Mário de Andrade atravessa uma profunda crise. A assinatura do contrato de restauração do prédio é um passo importante para resolver os problemas.

Que crise é essa?

Para qualquer canto que você olhe tem um problema. Se olhar para lá, vai ver que o relógio não funciona. Se olhar para o outro lado, há uma infiltração. Nosso acervo não é informatizado. Se retirar um livro, vai ver que está malconservado. E temos um número muito reduzido de funcionários.O número atual é da ordem de 120. Em 1992, por exemplo, eram 66 bibliotecários. Hoje são 25.

O que pode ser feito com o atual orçamento?

Dá para pagar contas.

O que poderia ser feito com um orçamento maior?

O problema não é apenas o orçamento. A biblioteca tem de se livrar das amarras administrativas. Imagino ela transformada numa fundação, porque aí teríamos capacidade de receber doações, fazer captação de recursos da iniciativa privada, além de manter dotação orçamentária própria. Também poderíamos fazer concursos públicos, criar uma carreira de funcionários. Hoje não temos aqui nenhum historiador, nenhum especialista em preservação. Esses cargos não existem e não há como contratá-los.

Como está esse processo?

Existe um projeto para se criar uma fundação. Já estamos trabalhando nisso. Temos o apoio do secretário de Cultura (Alexandre Calil) e a nossa idéia é encaminhar o projeto para análise técnica no Poder Executivo e depois para a Câmara.

Numa sociedade com forte apelo de televisão e internet, como trazer jovens para a biblioteca?

Isso não é um problema meu. Eu tenho de cuidar da biblioteca. Isso é algo muito mais complexo e está acima do que eu posso fazer. Meu papel não é criar novos leitores, mas tratar bem os leitores que já existem. Acho que a biblioteca tem de se modernizar, se desenvolver e atender a uma demanda que existe - e sempre existirá -, que é uma demanda de pessoas que gostam de livros e precisam fazer pesquisas.