Vertigem estréia na ópera em galpão do Municipal

Fonte: Folha De São Paulo

Ao lado cantores líricos e orquestra barroca, grupo monta "Dido e Enéas'

Espetáculo inaugura central de produção do teatro na zona norte de São Paulo, onde serão feitos e guardados figurinos e cenários

LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Depois de usar uma igreja (em "Paraíso Perdido"), um hospital (em "O Livro de Jó"), um presídio (em "Apocalipse 1,11") e um rio (em "BR-3") como cenários, o Teatro da Vertigem se lança à ópera numa fábrica -de cenários. Em "Dido e Enéas", do inglês Henry Purcell (1658-1695), com récitas hoje e amanhã, o grupo liderado pelo diretor Antônio Araújo testa um registro inédito em sua carreira e, de quebra, inaugura a Central de Produção Chico Giacchieri, na zona norte de São Paulo. No local, serão confeccionados figurinos e cenários para óperas do Theatro Municipal e armazenados aqueles de obras já apresentadas. Por conta desse acervo, a proposta do diretor artístico do teatro, Jamil Maluf, era que Araújo criasse a partir de materiais já existentes nos galpões. "O meu grande medo era de fazer um "Dido e Enéas" escola de samba, porque há cenários de óperas muito diferentes ali. A questão era como usar os materiais sem fazer uma colcha de retalhos. Daí a idéia de trabalhar com os elementos em sua bruteza", explica Araújo. O tempo exíguo para ensaiar (14 dias não-consecutivos), bem distante daquele a que o Vertigem se habituou (a gestação de "BR-3" levou mais de três anos, por exemplo), foi outro desafio. "Mesmo com limitações, me propus a abrir um espaço de experimentação. Não sei trabalhar de outro jeito", afirma Araújo. "Não estamos na caixa preta do teatro italiano. Não dá para fazer um trabalho desta natureza [num galpão] sem alguma improvisação, exploração do espaço."

Teatro infantil, não
Em "Dido e Enéas", a relação dos personagens-título -ela, rainha de Cartago, ele, príncipe de Tróia- é perturbada por feiticeiras, que chegam a se disfarçar de divindade para convencer Enéas a regressar à casa e reconstruir sua cidade. A ópera, baseada no quarto capítulo da "Eneida", de Virgílio, estreou na Inglaterra em 1689, numa montagem amadora de uma escola para meninas. No galpão-palco paulistano, o Vertigem ladeia nove solistas, um coro de 35 vozes e uma formação barroca de 13 músicos. A farta companhia não impediu Araújo de inserir nas entrelinhas o leitmotiv do Vertigem: a discussão sobre o lugar da fé. "Bruxa, hoje, é uma coisa que não dá. Fica meio teatro infantil. Como não podia cortá-las, usei-as para tratar do elemento irracional de violência ligado à religião, de fundamentalismo."

|Serviço: DIDO E ENÉAS 
Hoje e amanhã, às 18h30 (visita aos galpões a partir das 17h)
Central de Produção Chico Giacchieri (r. Paschoal Ranieri, 75, Canindé, São Paulo, tel. 0/xx/11/3326-0186) 
R$ 20 (ingressos à venda na bilheteria do Theatro Municipal, hoje e amanhã, das 14h às 17h; também no site www.ticketmaster.com.br)
Classificação indicativa: livre