Nosso papel é ser agente de mudanças sociais

Fonte: Folha De São Paulo

Presidente da instituição ressalta ação educativa e aumento do acervo do museu

ENTREVISTA MILÚ VILLELA

DA REPORTAGEM LOCAL

Há 14 anos à frente do Museu de Arte Moderna de São Paulo, Milú Villela, 61, aumentou em mais de 100% o acervo da instituição, elevando sua coleção de 2.000 para 5.000 obras, a maior parte dela por meio de doações. O resultado que lhe dá mais orgulho, contudo, é a ação educativa do museu, que atendeu a quase 30% do total de seu público em 2007. Dos 162 mil visitantes que passaram pelas catracas do museu, no ano passado, 46 mil foram atendidos por monitores. "O educativo é nossa prioridade e minha menina dos olhos", disse Villela à Folha na última semana de junho. Esse é um dos assuntos abordados a partir de perguntas elaboradas por curadores, galeristas, artistas e diretores de algumas das principais instituições culturais da cidade. Leia a seguir a entrevista.


 
LEDA CATUNDA (artista) - Cara Milú, se de repente, remexendo no acervo do museu, você encontrasse a lâmpada maravilhosa e dela saísse o gênio do museu, quais seriam seus três desejos para o MAM?
MILÚ VILLELA - Que o MAM fosse um museu vivo, atuante e superdemocrático, contemplando ainda a área educativa, que considero fundamental.

MARCELO ARAUJO (diretor da Pinacoteca) - Quais são, na sua visão, os maiores desafios enfrentados pelo MAM no seu 60º aniversário?
VILLELA - Manter o plano de gestão, que acho que foi uma conquista conseguida com a ajuda do Claudio Galeazzi [atual presidente do grupo Pão de Açúcar]. O outro desafio é sempre manter a parte educativa, focando a atuação do museu nessa área.

RICARDO OHTAKE (diretor do Instituto Tomie Ohtake) - Você não teve vontade de que o MAM tivesse adquirido a coleção Adolpho Leirner? O que acha de a coleção ter saído do país?
VILLELA - Acho que a coleção está contemplando a função dela, que é estar sempre sendo exposta. Ela está num museu superimportante [o Museu de Belas Artes de Houston], que tem visibilidade mundial, e isso é importante para a arte brasileira, pois ela está sendo vista como referência e divulgada no mundo todo.

LUISA STRINA (galerista) - Se levarmos em conta seu acervo e seu programa de aquisições, o MAM talvez seja um dos museus mais restritos em termos de espaço expositivo, o que limita muitíssimo sua atuação há muitos anos. Algumas soluções já foram apresentadas, mas, nesse momento, quais são as perspectivas para a ampliação do espaço do museu? Quando, afinal, teremos o acervo, ou boa parte dele, permanentemente à mostra ao público?
VILLELA - Bom, o espaço, dentro das nossas possibilidades, a gente ampliou com a sala Paulo Figueiredo. Temos também buscado ampliar a visibilidade, enviando nosso acervo a outros museus do Brasil e do exterior, expondo em outras praças culturais. Ter um novo prédio ou mesmo uma ampliação implica custo, e nós precisamos ser bem realistas, já que não podemos sonhar com outro espaço sem querer manter a qualidade de nossas exposições, além da própria manutenção física do espaço, que será cara. É lógico que sempre pensamos nisso, mas esbarra nessa questão de custo.

FOLHA - Mas por que não há um apoio da sociedade civil, como existe nos Estados Unidos? Lá, o MoMA tem cem mil associados...
VILLELA - É uma questão de cultura, e é difícil mudar uma cultura. Quando entrei aqui, ninguém sabia que tinha que colaborar com o museu. Acho que estamos instigando as pessoas a colaborar, mas esse é um processo lento.

IVO MESQUITA (curador da 28ª Bienal de SP) - Qual a sua opinião sobre o atual debate em torno da necessidade de reforma das leis de incentivo à cultura?
VILLELA - Acho que as leis são prioritárias, não há trabalho de cunho cultural sem a Lei Rouanet. Sabemos da importância dela e que, mesmo podendo ter algumas falhas, é ótima para o Brasil. Todos os que trabalham com cultura sabem da sua importância. Por isso, estamos acompanhando e torcendo para que isso se aprimore sempre e se mantenha presente.

MÁRCIA FORTES (galerista) - Sabemos que a contínua formação de um acervo com obras relevantes da produção nacional é um dos principais desafios dos museus brasileiros. Como o MAM busca vencer esse desafio?
VILLELA - Desde que cheguei aqui o acervo se enriqueceu. De 2.000 passamos a ter 5.000 obras. Com isso, podemos fazer exposições belíssimas, só com o nosso acervo, como a que foi feita na Oca, há dois anos, e outra que faremos no mesmo local, de outubro a dezembro. Será uma exposição grande e importante, que mostra a densidade de nosso acervo.

PAULO HERKENHOFF (curador) - Há quatro anos, o Brasil viu a Fundação Vitae se extinguir sem motivos políticos ou financeiros. Você considera que o MinC tem condições técnicas e políticas, infra-estrutura e recursos para substituir a impecável atuação da Vitae, uma iniciativa da sociedade civil?
VILLELA - A Fundação Vitae teve um papel realmente muito importante, mas acho que o Ministério da Cultura, com a Lei Rouanet, tem tido um papel também importante. Sou fã do [Gilberto] Gil. Ele é uma figura muito respeitada e tem uma equipe maravilhosa. Eu o acompanhei em exposições na Espanha, na França, e a gente vê a importância dele e o peso que ele dá para o ministério.

LISBETH REBOLO GONÇALVES (diretora do Museu de Arte Contemporânea de São Paulo) - Como vê as mudanças que estão acontecendo no parque Ibirapuera, com a instalação de novos museus transformando-o num pólo cultural de São Paulo?
VILLELA - Acho que isso é fantástico. Quanto mais museus existirem no parque, mais oxigenação e troca de idéias entre eles vai ocorrer. Esse pensar coletivo é importante, não estamos isolados no sistema da arte e por isso temos que exercer o diálogo. Quanto mais instituições vinculadas à cultura existirem no parque, mais todo mundo ganha. Nesse sentido, o MAM acaba sendo um elo, pois ele está bem no meio.

JOSÉ DO NASCIMENTO JÚNIOR (diretor do Departamento de Museus do Ministério da Cultura) - Para tornar os museus agentes de mudança social e desenvolvimento, qual é o papel das atuais políticas públicas para a área museológica? E como você vê o MAM nesse contexto?
VILLELA - Acho que um papel fundamental do museu é ser agente de mudanças sociais. E quando o educativo de um museu atende escolas públicas e privadas, portadores de necessidades especiais e ONGs, ele faz com que as pessoas se insiram no mundo da cultura e da arte, o que é fundamental. Nós começamos isso aqui no MAM, há dez anos, e temos, inclusive, uma biblioteca em braile. Como sou formada em psicologia educacional, eu dou muita importância para arte e educação, e o educativo do museu vem crescendo cada vez mais. Num congresso do Banco Mundial, em Washington, recebemos uma menção como trabalho modelo nessa área.