Disputa por patrocínio municipal vai à Justiça

Fonte: Folha De São Paulo

Produtora anuncia que recorrerá legalmente contra eliminação de seu projeto

Concurso da Secretaria de Cultura, que teve decisão original anulada, eliminou anteontem quatro filmes que serão rodados fora de SP

DA REPORTAGEM LOCAL

Uma briga na Justiça se anuncia em torno do concurso que a Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo promove para patrocinar longas de ficção (com R$ 5,6 milhões).
"Chega! Basta! É tudo tão estranho... A única coisa que posso fazer, no momento, é recorrer legalmente", afirma a produtora Van Fresnot.
Fresnot anuncia que recorrerá para reaver a vitória do longa "Andar às Vozes", de Eliane Caffé, que ela produz.
"Andar às Vozes" é um dos quatro filmes que haviam vencido a disputa, mas foram eliminados, anteontem, por ter suas filmagens realizadas fora de São Paulo. A trama de Caffé se passa em Belém.

Anulação
O resultado original do concurso, anunciado no último dia 14, foi anulado pelo secretário de Cultura, Carlos Augusto Calil, no sábado passado.
Ao divulgar o cancelamento da decisão do júri, a secretaria disse, em nota, que constatara a existência de "vícios no processo de avaliação dos projetos".
Um dos jurados da disputa, que teve 55 longas inscritos, era o distribuidor Jean-Thomas Bernardini (Imovision). Ele possui contrato para lançar dois dos filmes vencedores.
A presidente do júri é a poeta Renata Palottinni. Os demais membros são o escritor João Silvério Trevisan, o diretor da Cinemateca Brasileira, Carlos Magalhães, e o jornalista Alcino Leite Neto, da Folha.
Cineastas preteridos denunciaram à secretaria que a presença de Bernardini no júri era irregular e exigiram a impugnação do resultado. Reclamaram ainda do fato de que quatro dos vencedores seriam filmados fora da cidade e que o quinto suplente, "LB Persona", de Galileu Garcia, caracteriza-se como documentário.
O edital, para patrocínio a longas de ficção, estabelece que "somente serão selecionados projetos com vínculos culturais com a cidade de SP".
"O edital não prevê a obrigação de filmar em São Paulo", aponta a produtora Sara Silveira, que tem dois filmes entre os vencedores ("É Proibido Fumar", de Anna Muylaert, e "Trabalhar Cansa", de Marco Dutra e Juliana Rojas -distribuído pela Imovision), e um entre os eliminados, "Os Famosos e os Duendes da Morte", de Esmir Filho, que será rodado no Rio Grande do Sul. O longa de estréia de Filho, diretor do premiado curta "Alguma Coisa Assim", era o primeiro suplente da lista original.
"Vínculo cultural o que é? O diretor é paulista, pago todos os impostos aqui, pago todo o elenco aqui. Se, por uma questão artística e criativa, a história se desloca para outro lugar, o filme não perde os vínculos com São Paulo", diz Silveira.
O produtor Sérgio Martinelli ("LB Persona") atribui o imbróglio do concurso à atuação da Apaci (Associação Paulista de Cineastas), que reúne aproximadamente 80 diretores.
"A gente está vivendo em São Paulo a ditadura da Apaci. Tudo quanto é edital é assim. Se os apacianos não ficam contentes com o resultado, começam a bater pé e fazer fumaça", diz.
Gustavo Steinberg, vice-presidente da entidade, diz que "a Apaci é uma reunião de diretores que defendem seus interesses, assim como qualquer associação de qualquer área". Ele diz que, "neste caso específico, a Apaci nem se manifestou, porque depende da atuação coletiva da classe e vários associados haviam ganho o concurso".
Martinelli diz que "LB Persona" é um docudrama. Garcia o vê como documentário sobre Lima Barreto [1906-82] e seu filme "O Cangaceiro" (1953), grande êxito da companhia Vera Cruz e, paradoxalmente, raiz de sua falência. A Vera Cruz sonhou (em vão) em fazer cinema no país em moldes industriais. "Um grande assunto, para um grande filme", diz Garcia.