Resolução altera tombamento histórico do bairro do Pacaembu

Fonte: O Estado De São Paulo

Mudança permite ‘desdobramentos, desmembramentos e remembramentos’ de terrenos

Rodrigo Brancatelli e Diego Zanchetta

Um dos últimos bairros preservados de São Paulo, símbolo da elite quatrocentona, vai se tornar o novo alvo da especulação imobiliária. Uma resolução assinada pelo secretário estadual da Cultura, João Sayad, e publicada no Diário Oficial do Estado no dia 17 de junho mudou o tombamento histórico do Pacaembu, na zona oeste da cidade. Agora, os lotes do bairro com área maior ou igual a 900 metros quadrados poderão ser “desdobrados, desmembrados e remembrados”. Trocando em miúdos, isso significa que o mercado imobiliário poderá comprar vários lotes no Pacaembu e construir vilas ou mesmo condomínios fechados, alterando o traçado urbanístico que é mantido desde a década de 20.

Até a publicação dessa resolução era impossível mexer na metragem dos lotes por causa de uma deliberação de tombamento de 1991, o que fez com que dezenas de terrenos gigantescos ficassem à venda por anos, sem compradores interessados. O próprio mercado brinca que o Pacaembu é o “encalhe imobiliário da cidade” - o metro quadrado gira em torno de R$ 1 mil, bem abaixo de outros bairros residenciais como o Alto de Pinheiros e Jardim América. Segundo o diretor da Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio, Luiz Paulo Pompéia, o fim do tombamento dos terrenos valoriza os preços em 50%.

A nova resolução diz que o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat), órgão da Secretaria Estadual de Cultura, ficará responsável por autorizar os desmembramentos de lotes. Segundo o Estado apurou, o Condephaat já autorizou em reunião realizada na segunda-feira a primeira mudança - os números 114 e 118 da Rua Livreiro Saraiva poderão ser unificados para a construção de uma mansão. Procurada pela reportagem, a Assessoria de Imprensa da Secretaria de Cultura não conseguiu localizar o secretário ou um membro do Condephaat para falar sobre a nova resolução.

Os moradores não estão felizes com a valorização do Pacaembu. Pelo contrário - o presidente da Associação Viva Pacaembu por São Paulo, Pedro Py, afirmou que irá entrar na semana que vem com uma ação civil pública contra o secretário João Sayad. “Mais do que choque, entramos em estado de coma com essa notícia”, diz Py. “É o primeiro passo para descaracterizar o bairro, isso é absurdo, extremamente grave. Vão fazer até condomínio fechado com essa nova lei. Ainda não consegui entender como um secretário dá uma canetada para atender ao interesse de algumas pessoas e acaba com algo que é histórico para a cidade.”

O Movimento Defenda SP também considera que a divisão de lotes pode adensar o bairro e prejudicar o trânsito da região com a proliferação de pequenas casas geminadas, como já ocorrera na década de 80 em alguns bairros tradicionais de casas, como na Mooca, na zona leste, e no Tucuruvi, na zona norte. “É difícil entender como o Estado tomou uma medida que pode ser o primeiro passo para a descaracterização do bairro”, afirma Lúcio Machado, arquiteto da FAU/Mackenzie e ex-integrante do Condephaat. “Pode ser o começo do fim do bairro”, completa o arquiteto Paulo Bastos, ex-presidente do Condephaat. A arquiteta Regina Monteiro, diretora da Empresa Municipal de Urbanização, diz até que é preciso “chamar até a polícia” para derrubar a nova resolução. “Vai simplesmente desqualificar o Pacaembu da década de 20”, avalia. “É inconcebível fazer isso.”

Uma das maiores imobiliárias na região do Pacaembu, a Coelho da Fonseca tem no seu cadastro 120 casas à venda no bairro, por preços que variam de R$ 600 mil a R$ 6 milhões. Para Sergio Hamer, diretor Comercial da empresa, o principal empecilho hoje na liquidez dos imóveis da região é a restrição ao uso residencial. “O desmembramento dos terrenos ajuda um pouco o mercado”, avalia. “Na Avenida Pacaembu, por exemplo, onde só pode o uso residencial ou por parte de prestadores de serviços, como agência bancária ou escritório de advocacia, temos casas à venda já há quatro anos.”