Parangolés em estado original

Fonte: O Estado De São Paulo

Cia. Teatro e Dança Mariana Muniz recria obra libertária de Hélio Oiticica

Livia Deodato

As cadeiras onde o público irá se sentar não foram colocadas em cima do palco por obra do acaso. Palavras e frases aparentemente desconexas, como 'in-corpo-ração' e 'experimentar o experimental', que vão percorrer as paredes, o piso e o teto do teatro, por meio de projeções, também não foram escolhidas aleatoriamente. A bailarina Mariana Muniz segue à risca a proposta primordial de um dos maiores artistas plásticos brasileiros, Hélio Oiticica: a de que todo mundo tem o direito de vivenciar a obra, de ser a própria obra. E parte de seu trabalho considerado o mais libertário (a não-arte, em suas palavras) para realizar sua intrínseca conexão, originalmente proposta pelo próprio artista, à arte da dança.

O processo de montagem do espetáculo Parangolés, que Mariana e mais cinco jovens e vigorosos bailarinos estréiam hoje, vem sendo maturado há pelo menos um ano. O livro Estética das Favelas, escrito pela professora de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia, Paola Berenstein Jacques, os vídeos produzidos pelo próprio Hélio, junto a Neville d'Almeida, e principalmente a visitação e experimentação dos parangolés originais no Centro de Documentação Hélio Oiticica, no Rio, foram essenciais para a construção do espetáculo consistente que já tornaram público, há alguns meses, no meio da Praça do Patriarca, no centro de São Paulo. 'Não avisávamos ninguém que o espetáculo ia começar. Aos poucos, as pessoas iam parando. Tinha gente que assistia a tudo, do começo ao fim. Alguns moradores de rua se aproximaram e começaram a puxar sambas para acompanhar a melodia, no improviso mesmo', relembra Mariana.

O trabalho literalmente a céu aberto foi fundamental para sentir quanto Parangolés estava realmente sendo comunicado, entendido. A experiência foi tão boa que nos próximos dias 8, 10 e 11 de julho, a Cia. de Teatro e Dança Mariana Muniz vai se apresentar novamente no local, às 12h30. Tanto lá quanto na Galeria Olido, onde ficam em cartaz por dois fins de semana, as apresentações serão gratuitas, graças ao Programa Municipal de Fomento à Dança e outros tantos apoios.

IMPREVISIBILIDADE

Parangolés não tem a pretensão de recriar a obra de Hélio Oiticica, mas sim de partir desse rico experimento para propor outros movimentos e sensações ainda não adestradas. O que mais impressiona nessa nova montagem é a evolução na narrativa e a conseqüente revolução proposta pelos bailarinos, sentida por todo o público: os figurinos, produzidos desde o meio do ano passado sob orientação de Tânia Marcondes, contêm vísceras, escondidas a princípio, mas que serão expelidas e desdobradas, em um claro desejo de transformação.

As bananeiras, lembrança à obra Tropicália (1967), e os bambus, trabalhados no espaço com a imprevisibilidade dada ao equilíbrio ou a falta dele, são os únicos objetos cênicos utilizados pela companhia. O samba do morro da Mangueira, que Hélio vivenciou mais profundamente em meados da década de 60 em razão dos parangolés, permeia toda trilha do espetáculo, pensada por Celso Nascimento e Ricardo Severo. Apenas preste atenção ao andamento. E não perca a ginga.

Hélio Oiticica

A marginalidade de Hélio Oiticica (1937-1980) foi vivida, como já definiu o filósofo e professor da USP, Celso Favaretto. Artista carioca que começou fazendo obras de raiz concreta, ele se tornou, a partir da década de 1960, um dos mais importantes propositores de novas maneiras de o espectador participar e experimentar a obra de arte - sua instalação penetrável Tropicália, de 67, é marco na história cultural brasileira. Oiticica gostava de vivenciar a marginalidade, entre outros meios, freqüentando o morro da Mangueira. Dentro dessa experiência sambista e social e do ideal de fazer a 'conexão entre coletivo e individual', o artista criou os parangolés, as capas coloridas (antiarte, dizia) que poderiam ser usadas por qualquer um e faziam o próprio usuário se transformar em obra. Transformou-se também em marco, em 65, ele ter sido barrado de entrar na abertura da mostra Opinião 65, no MAM-Rio, com seus amigos da Mangueira vestindo os parangolés. CAMILA MOLINA

|Serviço:

Parangolés. Galeria Olido - Sala Paissandu (60 lug.). Av. São João, 473, centro, 3331-7703. 5.ª a sáb., 20 h; dom., 19 h. Grátis. Até 11/6