Investigação sobre a arte de fazer arte

Fonte: O Estado De São Paulo

Produção artística foi tema esta semana de debates na Estação Pinacoteca

Livia Deodato

Apenas 9% dos habitantes da capital paulista compareceram à Virada Cultural e, dentro dessa porcentagem, 16% são jovens de 16 a 24 anos e 12% são provenientes das classes A e B, contra 8% da C e 4% da D e E. Esse dado, divulgado pelo Datafolha numa pesquisa realizada com 598 pessoas entre os últimos dias 8 e 10 de maio, chama bastante atenção pelo fato de a Virada Cultural reunir notáveis expressões do meio artístico para oferecê-los gratuitamente ao público - e, ainda assim, ser freqüentada pelas camadas sociais mais altas. 'A conclusão que chegamos com esses números é que mesmo sendo um evento gratuito, o que acaba prevalecendo é o hábito', endossa Marlene Treuk, gerente de pesquisa de mercado do instituto de pesquisas.

Vale ressaltar que o evento anual que dura 24 horas não convida artistas sertanejos, os preferidos de 44% dos paulistanos, também segundo a pesquisa. O troféu na categoria cantores/bandas mais queridas fica com Leonardo, Calypso e Sorriso Maroto, as mais lembradas sem qualquer estímulo. 'Isso só reafirma como o público não consome o que eu coloco no programa Vozes do Brasil, na Rádio Eldorado. Acho que vou mesmo morrer segmentada', brincou a jornalista Patricia Palumbo, mediadora da mesa de debate sobre música, no 4º dia do seminário Perspectivas do Investimento em Cultura, que se encerrou ontem, na Estação Pinacoteca. Outro número que também surpreende é o de que 84% dos entrevistados não costumam ir ao teatro. 'Pode-se até comparar com a porcentagem de pessoas que vão ao museu, ao cinema, etc. A nossa sociedade é empobrecida. Não tem hábito por falta de formação', arriscou Carlos Vieira, superintendente corporativo de comunicação da Energias do Brasil.

Desde segunda-feira, artistas, jornalistas, produtores, gerentes de Marketing de grandes empresas e poucos nomes do governo participaram do encontro que teve por finalidade discutir ações e correções em leis de incentivo, tanto no âmbito público quanto no privado. Os profissionais da área foram divididos em 10 painéis que abordaram temas relevantes nas específicas áreas de artes cênicas, artes plásticas, música, parceria público-privada e projetos socioculturais. Dança, no entanto, não foi contemplada dentro de artes cênicas. 'Havíamos convidado o Ivaldo Bertazzo para participar, mas infelizmente ele não pôde participar em razão de uma viagem', justificou João Leiva, idealizador do seminário.

Outro convite também não aceito foi o de Juca Ferreira, secretário-executivo do Ministério da Cultura. Desde o início do ano, Leiva insistia, por meio de telefonemas e e-mails, a fundamental presença do político no seminário. Mostrou à resportagem do Estado, inclusive, algumas das páginas impressas contendo a insistente troca de e-mails entre ele e a secretária de Ferreira. No último, ela dizia que o secretário estava com uma viagem marcada para Buenos Aires. 'O que queremos é que todas as ações públicas sejam mais transparentes', disse Leiva. Esse, de fato, foi um dos pedidos unânimes durante todo o seminário.

Do governo, participaram Carlos Augusto Calil, secretário municipal de Cultura de São Paulo, e Ronaldo Bianchi, secretário-adjunto da Cultura do Estado de São Paulo, que apresentou um histórico de financiamento público à cultura, nas três esferas (federal, estadual e municipal), além de levantar algumas polêmicas, como a de um possível lucro de proponentes ao inscrever projetos. Bianchi também ressaltou um equívoco que, segundo ele, muitos produtores cometem. 'Os agentes culturais não contemplados pelo sistema de mecenato acreditam que o Estado poderá contemplá-los na totalidade de seus anseios por editais públicos. E isso não é possível', afirmou.

LEI ROUANET

Tanto na mesa de artes cênicas, como na de música, houve concordância em relação à vigoração da Lei Rouanet. Com a ressalva de que ela pode e deve ser ajustada. 'Não dá para continuar competindo por patrocínio com escolas de samba', sublinhou Claudio Fontana, produtor de peças teatrais como Andaime e Salmo 91. Outro ponto levantado pelo ator Luiz Amorim, ex-presidente da Cooperativa Paulista de Teatro, foi o valor da porcentagem abatido do Imposto de Renda das empresas. 'Os 4% de renúncia fiscal de uma grande indústria patrocinadora de São Paulo não representam os mesmos 4% de uma pequena empresa no Acre. A sugestão é de que se amplie, neste último caso, o valor de abatimento do imposto.'

Na verdade, apenas empresas tributadas no lucro real podem abater até 4% sobre o imposto de renda devido para patrocínio (6%, no caso de doação). As pequenas e médias empresas, cujo lucro é presumido, não podem patrocinar. Já existe, no entanto, um esforço em Minas Gerais, por exemplo, através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura, de se criar um escalonamento para incentivo, de acordo com o lucro de cada empresa.

A polêmica do fato de o Cirque du Soleil ter recebido incentivo por meio de uma lei pública brasileira, durante sua primeira passagem pelo Brasil em 2006, mais uma vez veio à tona. O Bradesco e o Visa fizeram uso de R$ 8 milhões da Lei Rouanet. O ator e diretor Hugo Possolo, que àquela época era coordenador nacional de circo da Funarte, contou que o motivo de sua saída desse cargo foi justamente a aprovação do Soleil na pauta. 'Eu alertei, disse que aquilo ali seria um equívoco. Mas me disseram que era um pedido do Ministro de Turismo e que não daria para negar.'