Sayad suspeita de boicote do MinC

Fonte: Folha De São Paulo

Secretário de Cultura de SP vê atitude "ilegal e discricionária" do ministério em relação a projetos culturais do Estado

Pasta de Gilberto Gil nega barrar aprovação de projetos da TV Cultura, da Osesp e da Pinacoteca do Estado na Lei Rouanet, que libera patrocínio

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

O secretário de Cultura de São Paulo, João Sayad, suspeita de boicote do Ministério da Cultura (MinC) ao Estado.
O boicote estaria configurado em negativa que Sayad considera "ilegal e discricionária" a projetos de instituições do Estado, como a TV Cultura, inscritos na Lei Rouanet.
Instrumento federal de incentivo à cultura, a Lei Rouanet permite que empresas destinem parte de seu Imposto de Renda devido à realização de projetos culturais, desde que esses sejam previamente aprovados pelo MinC.
"Aparentemente, o MinC está brecando os projetos de incentivo fiscal de organizações sociais que trabalham para o Estado [de SP]", afirma Sayad à Folha, citando, além da TV Cultura, a Osesp e a Pinacoteca do Estado.
As organizações sociais são figuras jurídicas que gerem entidades culturais e em nome delas captam recursos; neste caso, Fundação Padre Anchieta (TV Cultura), Associação dos Amigos da Pinacoteca e Fundação Osesp.

"Brecha da lei"
A desconfiança do secretário se acentuou a partir da seguinte declaração do ministro interino da Cultura, Juca Ferreira, à revista "Carta Capital": "A meu ver, São Paulo está trabalhando na brecha da lei. Estou consultando o governo sobre o assunto, mas, por ora, cortamos parte da captação da TV Cultura".
Sayad afirma: "Achamos isso ilegal. É uma discricionariedade do ministério". O secretário diz que pediu às administrações da TV Cultura, da Osesp e da Pinacoteca "para irem ao ministério ver o que está acontecendo". Ele ressalta que elas "pedem esses recursos [de patrocínio federal] absolutamente dentro da lei e conseguem apoio de empresas porque têm desempenho muito bom".
Ferreira nega o boicote e afirma que há "uma imprecisão" em sua declaração publicada na "Carta Capital" sobre a suspensão de recursos à TV Cultura.
"Ninguém cortou nada. O que houve é que eles [os representantes da TV Cultura] pediram enquadramento [do projeto cultural] no artigo 18 [da lei, que permite a determinados projetos terem 100% de seu orçamento financiado pela renúncia fiscal; em outros casos, há limite para o uso de dinheiro de incentivo fiscal]. Não pudemos autorizar isso, porque estamos mais rigorosos nas avaliações, atendendo a uma manifestação do TCU (Tribunal de Contas da União), até que a lei seja mudada", afirma Ferreira.
A mudança que o MinC pretende fazer na Lei Rouanet é outro ponto de atrito entre Sayad e Ferreira. "Há no MinC proposta para mudar a lei que não sabemos qual é", critica Sayad. "Sayad tem dado declarações absolutamente especulativas de que vamos acabar com a renúncia fiscal. A cada vez, liguei para ele e esclareci que não. Não me parece que ele esteja querendo criar um conflito, mas está, reiteradamente, dizendo algo que não existe", retruca Ferreira.
O ministro interino reafirma sua avaliação de que a administração paulista faz uso de "uma brecha da lei" para financiar projetos "de estruturas permanentes que, em princípio, deveriam ser financiadas pelo governo do Estado".
Sayad diz que "isso é falso". Ele avalia que "a lei permite que o contribuinte coloque o dinheiro onde quiser. São todos projetos que necessitam de apoio. Estamos falando de uma TV pública, como a TV que eles pretendem fazer, que oferece programação para todo o país".
O secretário diz achar que o imbróglio com o MinC "não é uma questão partidária", mas que Ferreira expressa "uma visão errada de que a cultura é questão estadual" e desconsidera o alcance além-fronteiras das expressões artísticas.

"Toca aqui, ouve lá"
"A Osesp, que tem 90% de seu orçamento financiado pelo Estado, beneficia o Brasil inteiro. Toca aqui, ouve lá. A Pinacoteca não exige passaporte de paulista para [o público] entrar. E os quadros paulistas não são nem melhores nem piores do que os mineiros, os pernambucanos, os capixabas", afirma.
Para Ferreira, "está havendo um açodamento do secretário. Talvez ele deva fazer a consulta [ao MinC]. Vai ver que todas [as organizações sociais de São Paulo citadas] captaram".