Os rejeitados da Lei Rouanet e a lógica do incentivo cultural

Fonte: O Estado De São Paulo

Rigor no exame de projetos que querem captar cresceu e, na última reunião da comissão avaliadora, recusados foram 17%

Jotabê Medeiros

Geralmente, o que causa mais celeuma no mundo cultural é a divulgação do alto custo de alguns projetos aprovados para captar recursos pela Lei Rouanet. Mas uma análise dos projetos rejeitados pela mesma legislação também pode ser um exercício elucidativo das motivações e dos meandros do incentivo cultural no País.

Há duas semanas, foi divulgada pelo Ministério da Cultura a lista dos projetos examinados na 152ª reunião da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC). Dos 531 projetos que constavam na pauta, 438 foram aprovados, mas 58 foram indeferidos, 33 retirados de pauta e 2 não analisados. Ou seja: 93 projetos foram recusados, cerca de 17% do total. A CNIC é metade formada por representantes da sociedade civil e a outra metade por representantes do governo. Foram analisados projetos nas áreas de artes cênicas, artes plásticas, música, patrimônio, audiovisual, humanidades e artes integradas.

Entre os projetos indeferidos, estão dois filmes documentários sobre o universo futebolístico, Romário Mais de 1000 e Rogério Ceni. O primeiro foi rejeitado por não comprovar um tratamento 'eminentemente cultural', segundo o voto do conselheiro que o indeferiu. O segundo filme, sobre o goleiro do São Paulo, Rogério Ceni, não foi aprovado por extrapolar o limite estabelecido pela Secretaria do Audiovisual (R$ 500 mil).

A fronteira entre o que é e o que não é considerado cultural derrubou muitos projetos, como o de uma conhecida marca de cosméticos que pretendia contar sua história (o que é considerado um expediente institucional). Os blocos de carnaval, que já fizeram a festa com patrocínios incentivados, estão tendo problemas agora. O plano do Babado Elétrico foi indeferido com a consideração de que é 'carnaval fora de época e com venda de abadás'.

Projetos que envolvem altas somas de dinheiro também estão na mira. O espetáculo Cabaret teve seu pedido retirado da pauta por apresentar um orçamento 'muito acima da realidade de mercado' e não justificar esses gastos adequadamente. Entre cenários estimados em R$ 250 mil, também aparece a contratação de preparadores de corpo e voz durante seis meses para a temporada.

O show que comemora o centenário do compositor Cartola foi recusado por diversos fatores, um deles a previsão de um coquetel inaugural estimado em R$ 7, 5 mil (tal despesa é vetada por determinação do Tribunal de Contas da União). Outro show, que celebrava a arte do cantor Tim Maia, foi recusado por questões ambíguas relativas aos direitos autorais.

O projeto The Villa Lobos Event - From Classical Music to Bossa, encabeçado pelo pianista Marcelo Bratke, também foi indeferido. O plano consistia em uma triangulação de concertos entre Nova York e Tóquio em junho deste ano. A comissão de avaliação apontou gastos exagerados com passagens aéreas (que deverão ser recalculadas com preços de classe econômica), viagens injustificadas de produtores e acompanhantes e inadequação no espetáculo final, no teatro Oji Hall, em Tóquio, que seria restrito a convidados do patrocinador e autoridades.

Márcia Cavalini, produtora do evento de Bratke, disse que as restrições se devem a um equívoco de interpretação e está 'adequando a linguagem' do projeto para dirimir as dúvidas. Segundo ela, o concerto final não tem cobrança de ingressos, mas 115 entradas serão destinadas ao público em geral, 200 serão doadas pelo patrocinador a uma escola de música e convidados do governo japonês e embaixada brasileira. As passagens excedentes serão cortadas e o projeto será reapresentado à Lei Rouanet, acrescentou.

Na rede dos exageros, também foram apanhados muitos projetos de notória importância cultural. Por exemplo: foi indeferida a produção do Catálogo Raisonné do pintor Alfredo Volpi. 'É um absurdo, qualquer que seja o motivo', disse o curador e crítico de arte Olívio Tavares de Araújo. 'Volpi está entre os cinco pintores mais importantes do Brasil', considerou Araújo, que integra o Projeto Volpi, de resgate e divulgação da obra do artista.

Juca Ferreira, secretário-executivo do Ministério da Cultura, avalia que, 'de fato, há mais rigor', e que o esforço tem sido no sentido de se barrar 'o que não merece o dinheiro público, ou não se enquadra na lei, ou pode ter amplo apoio do mercado'. Ferreira, entretanto, diz que é importante que prevaleça 'o bom senso' na análise dos projetos, e que o exame dos processos que são 'claramente distorções' não ultrapasse os limites da lei. Ele disse enxergar um 'prenúncio de uma mudança na Lei Rouanet'.