Encontros com o sutil e o sintético

Fonte: O Estado De São Paulo

Até domingo, o programa Solos, Duos e Trios mostra 3 espetáculos que surpreendem pela habilidade e exercício de percepção

Helena Katz

É instigante e mais que bem-vinda a proposta que Cristian Duarte e Thelma Bonavita vêm praticando. Ela se revela não somente na recente incorporação transitória de outro intérprete, o excelente Thiago Granato, mas sobretudo no tipo de espetáculos que andam produzindo. Estreado em dezembro passado como encerramento da programação de 2007 do Itaú Cultural, o Show: Sobre o Que a Gente Vê (Volume 1) se transformou, quatro meses depois, em Pocket Show: Volume 1. Em cartaz até domingo na programação Solos, Duos e Trios que anualmente o Centro Cultural São Paulo oferece, a nova versão abre uma conversa importante sobre o que é processo e o que é produto em dança, além de avançar nos entendimentos correntes sobre formas colaborativas.

Não se trata somente de uma mudança de títulos. Essa troca espelha uma reorganização dos mesmos materiais que, então, deixam de ser os mesmos porque estão sendo articulados de outra maneira. Esse modo de tratar o que produziram põe na roda uma reflexão sobre curadorias que só trabalham com estréias e também nos faz pensar sobre o modo como percebemos aquilo que assistimos. Se tendemos a reconhecer uma obra pela seqüência de informações que a constitui, quando isso varia, a obra deixa de ser a mesma. Passa a ser uma outra, embora os materiais permaneçam os mesmos, porque monta combinações diferentes para a nossa percepção.

A recente inclusão de Thiago Granato ao que antes era um dueto amplia esse exercício de percepção. Quem conhece a outra versão, nesta encontra uma curiosa dilatação de espacialidade (pela adição de um terceiro corpo), mas, sobretudo, poderá reconhecer uma polifonia de qualidades de movimento. Cada um dos três agrega algo precioso e autoral ao trabalho, explicitando uma sintonia que não deve ser procurada no modo de dançar, mas na maneira como conseguem estabelecer relações entre si mesmos e, cada qual, com os movimentos que nos oferecem. Surgem três competências, três desempenhos, três atuações e elas se ecoam sem perder as singularidades. É uma boa oportunidade para se pensar em autoria e colaboração - assunto quente na produção contemporânea de dança.

A percepção também fica estimulada pelo jeito como abordam o consumismo, a moda, a sexualização transformada em moeda, a 'lourização' do corpo, e até mesmo uma proposta de conversa sobre natureza e cultura - tudo sintético, seco e sutil. E contundente na problematização do lugar que cabe ao corpo, hoje, na sociedade.

Além de Pocket Show: Volume 1, o programa é completado por mais duas produções: a do jovem Leandro Berton, e a de Lívia Seixas/Claudio Farias. Peter Pan, um solo criado e apresentado por Leandro Berton, o instaura como uma das melhores surpresas da nova geração que vem chegando aos palcos. Diferenciando-se dos que, como ele, dispõem de uma habilidade técnica acima da média, não prioriza a sua mera exibição, mas a põe a serviço de idéias - um excelente ponto de partida, que o transforma em alguém a quem acompanhar, daqui em diante.

Due nasce da parceria que Lívia Seixas e o músico Cláudio Faria iniciaram em 1997, quando Lívia pertencia ao núcleo de interpretação que viria a se tornar a Cia. Nova Dança 4. É a terceira vez que produzem um espetáculo juntos (as outras duas foram Um Dia, em 2003, e Uma Vez, Só, em 2004). A criação propõe uma investigação interessante sobre a relação entre a arte e o cotidiano, mas, infelizmente, elege representações muito simplificadoras. Assim, monta uma foto excessivamente chapada, em vez de tecer camadas nuançadas. Pena, pois o diálogo entre os dois intérpretes revela uma sintonia preciosa.

Recadinho: quem ainda não assistiu a esse programa do Solos, Duos e Trios tem somente até domingo para se encantar com a dança de Thiago Granato, pois ele passará os próximos sete meses em uma residência que será coordenada por Xavier Le Roy no Centro Coreográfico que Mathilde Monier dirige, em Montpellier, na França.

|Serviço: Solos, Duos e Trios. Centro Cultural São Paulo. Rua Vergueiro, 1.000, 3383-3402. Hoje e amanhã, 21 h; dom., 20 h. Grátis. Até 11/5