Trocando idéias com os vizinhos

Fonte: O Estado De São Paulo

Representantes de seis países latino-americanos reuniram-se para expor e discutir diferentes formas de apoio às artes cênicas

Beth Néspoli

Neste momento em que o teatro brasileiro se mobiliza em busca de leis específicas para o setor pode ser proveitoso conhecer modelos de políticas públicas de países latino-americanos. Com esse objetivo, um encontro de gestores culturais de diferentes países - Cuba, Equador, Argentina, Colômbia, Chile, México e Brasil - abriu na tarde de segunda-feira a programação de debates da 3ª Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupos, realizada pela Cooperativa Paulista de Teatro.

O encontro revelou mais contrastes do que uniformidade. Efraim Villacis, representante do recém-criado ministério da Cultura do Equador, definiu como 'clientelista' a política para o setor em seu país. 'Quem tem mais amigos consegue mais. Não há uma política clara e definida para a atividade teatral. O trabalho de grupos como o Malayerba, que existe há 30 anos, depende da força e da vontade individuais.' Criado há 15 meses, o ministério aposta na criação de leis para o setor, 'que não pode ser imposta, tem de ser discutida, mas esperamos esteja pronta até o fim do ano. Não é uma discussão fácil, cada um crê que tem mais direitos que os outros, mas vamos buscar esse debate.'

'No México, há um aparato burocrático enredadíssimo e uma política de eventos que só beneficia o centro do país', afirmou Raquel Araújo, atriz do Teatro de la Rendija. 'Trabalhei por 12 anos junto ao governo federal, tivemos algumas conquistas, mas há a desilusão de ver tudo cair quando muda o governo. Há propostas para leis, mas falta investigação, falta um diagnóstico e o subsídio fica restrito a uma elite de criadores.'

Javier Itacache, jornalista e crítico chileno, traçou um panorama de política baseado sobretudo em fundos públicos geridos pelo Conselho Nacional da Cultura e das Artes. 'Sua criação resultou de debates e não tem categoria de ministério para dar participação aos artistas. O teatro independente se alimenta dos fundos.' Mas segundo ele a atividade ainda está muito concentrada na capital, Santiago. Deu números anuais de 2007 na capital: 250 montagens, 8 mil apresentações, 51 escolas de teatro, mas segundo pesquisa apenas 6% dos chilenos viram mais do que 4 peças ao ano. No momento, investe-se na criação de centros culturais em cidades menores, onde a atividade teatral possa se concentrar. No Chile, criou-se recentemente uma lei baseada em renúncia fiscal, nos moldes brasileiros. 'Na minha avaliação ela vai funcionar para mais para o cinema, o patrimônio e a literatura do que para o teatro.'

Patrícia Ariza, atriz do grupo colombiano Teatro de la Candelária, fez uma síntese histórica do movimento teatral, potente nas décadas de 60, 70 e 80, liderado por 'grupos estáveis com uma estética voltada para os problemas sociais e políticos, interconectados', porém atualmente fragilizado pela presença forte de um 'teatro empresarial'. Na sua avaliação, a política cultural existente hoje 'simula uma democracia' com convocatórias para subsídio para as quais concorrem muitos projetos, mas poucos são beneficiados. 'Foi criada uma lei que pode ser muito importante, mas ainda espera por regulamentação.'

O texto da lei colombiana foi distribuído ao fim do encontro, assim como a que subsidia a atividade teatral na Argentina, em vigor há dez anos. Gustavo Uano, representante do Instituto Nacional de Teatro da Argentina avaliou o funcionamento dessa lei específica para o setor, destinada a financiar atividades teatrais consideradas de interesse cultural, entre elas manutenção ou remodelação de salas teatrais, o desenvolvimento de grupos permanentes e elencos de produções independentes, circulação, centros de documentação e bibliotecas, festivais, prêmios e até estudos no exterior.

A lei criou ainda o instituto de teatro, cujo conselho tem representação da classe teatral, administra os recursos do setor e determina quais serão os projetos subsidiados. Há ainda representações em todas as províncias com gestores concursados e os membros eleitos do conselho ficam no cargo por dois anos. 'Não é lei de proteção ao ator ou a atividade teatral, mas de promoção ao teatro como cultura nacional. Neste momento estamos contabilizando o impacto nacional desse instrumento que se tornou precioso para as pessoas do teatro', diz Uano. 'Em primeiro lugar conseguiu-se fomentar a atividade onde antes não havia. A segunda etapa é tentar acompanhar essa atividade para ampliar o profissionalismo. Em terceiro, quero ressaltar que seria importante que o Brasil fizesse parte disso, estamos investindo num fundo supranacional para fomentar co-produções, criadas em conjunto entre dois ou mais países.' Há problemas? 'A demanda cresce também e pede ajustes', afirma Uano. 'As políticas públicas têm de estar em constante movimento', havia dito pouco antes a colombiana Patrícia Ariza.

Na Argentina há um programa de formação do espectador crítico. 'A idéia não é meramente popularizar a atividade, mas conduzir o público por diferentes estéticas para que possa compará-las.' No que diz respeito ao alcance do teatro junto ao público Gisela Cerdeira, vice-presidente do Conselho de Artes Cênicas de Cuba, apresentou números abrangentes: '6 milhões de cubanos vão ao teatro regularmente, metade de população, há 3 mil artistas profissionais, 800 estréias anuais e 60 festivais, a maioria promovidos pelos artistas - o cubano se encanta com festivais, lotam as salas.' Segundo ela, o ministério da cultura foi criado em 1976 para corrigir 'erros graves' como a intervenção da política na criação cultural. Numa síntese, Cuba associa teatro e educação, investindo sobretudo na formação de artistas e platéias.

Questionada sobre o 'encerramento cultural' ela contestou: Seria um erro dizer que a cultura cubana é fechada. O que mais se vê na televisão, estatal, são filmes norte-americanos. Há um bloqueio. Não compramos, baixamos da Internet. Também seria um erro imaginar que um país com tantas universidade não há pensamento crítico e debate. Mas há que saber buscar o consenso, que nada tem a ver com homogeneidade. '

Último a falar, Celso Frateschi, presidente da Funarte, ressaltou a oportunidade do encontro 'num momento em que o País vive um debate sobre políticas públicas incorporado pela imprensa e pela sociedade, que envolve pontos de vista diferentes e a estruturação de financiamento através de legislação'.

Começou por enfatizar que a questão é complexa e não pode ser resolvida com uma 'espadada' sob o risco de repetir-se rupturas como as ocorridas no regime militar - que desarticulou o forte movimento teatral construído nas décadas de 50 e 60 - e na era Collor.

Em sua avaliação, 'vacinada, a classe artística tende a confundir política públicas de Estado com dirigismo cultural.' Por temer o dirigismo, teria aceito a transferência da administração dos recursos para as empresas privadas. 'Isso provocou distorções agora colocadas em debate. A Lei Rouanet movimenta mais de R$ 1 bilhão anuais, enquanto o Fundo Nacional de Cultural distribuiu apenas R$ 6 milhões. Apenas 3% dos captadores ficam com 50% dos recursos. A maior crítica que o ministério tem recebido, e justa, reconheço, é não ter feito até agora as reformas cabíveis. Mas o tema é conflitante e acredito que só agora a sociedade esteja madura para mudanças. O tema é vibrante e termos que mergulhar nele sem ideologismos, sem corporativismos e sem melindres para chegar não à uniformidade de pensamento, mas ao consenso entre diferentes, como apontou Gisela Cerdeira.'