Para lembrar o amigo Dean Martin

Fonte: O Estado De São Paulo

Jerry Lewis, primeiro, e Frank Sinatra, depois, transformaram o ator e cantor em coadjuvante, mas ele fez grandes filmes

Luiz Carlos Merten

É uma pena que Martin Scorsese tenha se afastado de seu projeto de filmar a vida de Dean Martin para desenvolver outra cinebiografia, a do milionário Howard Hughes, magnata da aviação e do entretenimento, que resultou em O Aviador. O projeto sobre Dean Martin - Dino - talvez estivesse muito mais próximo do coração de Scorsese, porque ambos, afinal, eram ítalo-americanos. Quando Martin morreu, em 1995, o diretor divulgou um comunicado em que falava justamente da importância de 'Dino' como personagem que viveu o choque de duas culturas, a italiana e a norte-americana.

Dean Martin ganha a partir de hoje um valioso ciclo no Centro Cultural São Paulo. Até o domingo, dia 11, será possível (re)ver filmes que esculpiram a fama do ator e cantor, que integrou, nos anos 50 e 60, a 'Rat Pack', a turma de Frank Sinatra, integrada pelos cafajestes e canastrões mais simpáticos de Hollywood, na época. George Clooney, Brad Pitt e Matt Damon formam o equivalente da Rat Pack hoje em dia. Não que sejam, ou que Martin fosse canastrão - talvez ele o tenha sido no começo de sua carreira, quando formou dupla com Jerry Lewis numa série de 16 comédias realizadas de 1949 a 57, quando a parceria se desfez. O humor incontrolável de Jerry transformava Martin num apêndice sentimental e até impessoal. Ele carregava o interesse 'romântico' da dupla. Jerry demolia - Martin cantava e conquistava as belas mulheres que o produtor Hal Wallis colocava no caminho de ambos.

O fim da dupla levou Jerry Lewis a uma carreira-solo que o consagrou como o maior nome da comédia de Hollywood nos anos 60. Martin não deixou de cantar e fazer shows, com seu inseparável copo de uísque na mão - Everybody Loves Somebody Sometime... -, mas os papéis ficaram muito mais interessantes. Dois ou três o transformaram num favorito dos cinéfilos de todo o mundo. No western clássico Rio Bravo, de Howard Hawks - que se chamou, no Brasil, Onde Começa o Inferno -, ele faz o bêbado integrado ao grupo que o xerife John Wayne forma para impedir a invasão de sua cadeia por pistoleiros que vão tentar libertar seu chefe. A cena em que Martin cata uma moeda na escarradeira para pagar uma bebida ilustra o limite da degradação da qual ele vai emergir, graças à ação do grupo.

Em Deus Sabe Quanto Amei (Some Came Running), obra-prima (melo)dramática de Vincente Minnelli, Martin segue o romance do amigo Sinatra com a prostituta Shirley MacLaine. O filme inteiro ele usa aquele chapéu de caubói. O que ocorre na última cena faz parte das emoções inesquecíveis que um espectador pode ter assistindo a filmes. É triste que justamente Deus Sabe Quanto Amei não integre a programação, mas a ausência será compensada pelo western paródico Os Quatro Heróis do Texas, de Robert Aldrich, em que Martin, Sinatra e os Três Patetas contracenam com Anita Ekberg e Ursula Andress, e pelo outro, a sério, de Henry Hathaway, em que ele volta a contracenar com John Wayne, Os Filhos de Katie Elder. Também valem - Onze Homens Um Segredo, a primeira versão, de Lewis Milestone, com toda a Rat Pack (Sinatra, Martin, Sammy Davis Jr., Peter Lawford, etc.); Robin Hood de Chicago, paródia de filme de gângsteres, de Gordon Douglas; e o drama de guerra Os Deuses Vencidos, de Edward Dmytryk, em que Martin faz um contraponto aos dois garotos-propaganda do 'método' (Marlon Brando e Montgomery Clift), que Lee Strasberg desenvolveu no Actor's Studio, influenciado pelas teorias de Stanislavski sobre a arte da representação.

Serviço

Dean Martin. Hoje, 16 h, Os Quatro Heróis do Texas, de Robert Aldrich; 18 h, Os Deuses Vencidos, de Edward Dmytryk; 21h, Onde Começa o Inferno, de Howard Hawks. Amanhã, 16 h, Os Filhos de Katie Elder, de Henry Hathaway; 18 h, Onze Homens e Um Segredo, de Lewis Milestone; 20 h, A Dama da Madrugada, de Joseph Anthony. Centro Cultural São Paulo (110 lug.). R. Vergueiro, 1.000, 3383-3402. Grátis. Até 11/5