Elenco de apoio salva o Falstaff de Possi no Municipal

Fonte: O Estado De São Paulo

Espetáculo de validade cênica inegável mostra irregularidades no plano vocal

Crítica Lauro Machado Coelho

Repensado com a distância de quatro anos, o Falstaff originalmente encenado por José Possi Neto em 2003 ganha em leveza e agilidade. Descontados alguns excessos bufos que o estilo da alta comédia verdiana não requer, o espetáculo estreado sábado, no Theatro Municipal, tem uma validade cênica inegável. Tornou-se, até mesmo, mais bem definida a sincronia entre gesto e música, como o demonstra, entre outras, a cena de sir John com o signor Fontana, em que as sugestões musicais se traduzem em movimentos no palco.

Funciona com muita desenvoltura o uso de figurantes para complementar e tornar mais natural a ação. Apoiado nos bonitos cenários e figurinos de Jean-Pierre Tortil e Fábio Namatame, o espetáculo é bastante vivo, com a destreza rítmica a que a partitura incita, obtendo pronta resposta do público aos estímulos cômicos.

Se irregularidades há, é no plano vocal e - o que é mais grave - no que se refere aos protagonistas. Sem nada de muito especial que o distinga do ponto de vista do timbre, Leonardo Estévez é um Ford francamente decepcionante, que tem problemas incômodos na região superior, com agudos gritados. Seu grande momento, “È sogno o realtà”, no segundo ato, nada teve de realmente marcante.

Também Laura de Souza foi uma Alice de voz cansada, que correu com dificuldade, pesada no extremo grave, sem maior delicadeza no registro agudo e, sobretudo, sem a graça que se espera da personagem. Ambos se saíram melhor no terceiro ato, é verdade, mas sem chegar a oferecer de seus papéis um contorno mais definido.

Jovens, fisicamente adequados a seus papéis, com vozes pequenas mas cenicamente desenvoltos, Flávia Fernandes e Marcos Paulo fizeram corretamente o casal de namorados Nanetta e Fenton. Mas nem um nem outro esteve realmente à altura do que exigem as suas encantadoras árias da cena no parque.

Lício Bruno é um bom cantor e um ator de muitos recursos. Mas Falstaff, com sua constante oscilação entre o parlato e a cantilena, entre o falsete e o recitativo melódico, e as exigências de uma emissão freqüentemente acrobática, apresentou-lhe um desafio a que nem sempre a respondeu com regularidade. Em passagens fundamentais, como o “Monólogo da Honra” ou a arieta “Quand’ero paggio”, ele deixou a desejar, embora tenha sido mais satisfatório o seu desempenho no monólogo do terceiro ato. Seu domínio cênico, em todo caso, lhe garante segura capacidade de comunicação com o público.

Este Falstaff apresentou a curiosa característica de ter um elenco de apoio mais homogêneo e eficiente do que os cantores principais. A um excelente Dr. Caius (Paulo Queiroz), de voz muito bem projetada, correspondeu a divertida Mrs. Quickly de Regina Elena Mesquita, em ótima forma vocal e cênica. Ednéia de Oliveira foi uma Meg de voz cálida e envolvente. E o par de criados de sir John, Bardolfo e Pistola, encontrou em Sérgio Weintraub e Pepes do Valle intérpretes engraçados e que interagem muito bem.

O chileno Rodolfo Fischer fez, de um modo geral, uma boa regência, a despeito de eventuais problemas de equilíbrio entre vozes e instrumentos, que às vezes prejudicaram um pouco a clareza do canto; e da freqüência com que, nos dois primeiros atos, houve desencontros entre os cantores e a orquestra - tropeços obviamente superáveis ao longo da temporada. Mais complicado é o desequilíbrio entre o ótimo espetáculo teatral a que não corresponde exatamente a qualidade do canto.

|Serviço:
Falstaff. Theatro Municipal (1.580 lug.). Praça Ramos de Azevedo, s/n.º, 3222-8698. Hoje e 6.ª, 20h30; dom., 17 h. R$ 20 a R$ 40. Até 13/4