Dois textos eficientes, em duas produções precárias

Fonte: O Estado De São Paulo

Histórias da Caixola, para crianças, e Smack!, para jovens, conseguem se destacar mais pelas idéias do que pela encenação

Crítica Dib Carneiro Neto

É incrível como, às vezes, no teatro, apenas um bom texto consegue entreter e agradar à platéia, mesmo que todo o resto da montagem seja de qualidade mediana e até ruim. Dois espetáculos, um infantil e o outro juvenil, ambos em cartaz nas salas do Centro Cultural São Paulo, são bons exemplos de como uma boa idéia aliada a um bom texto vale mais do que um polpudo orçamento desperdiçado em 'fachada' de superprodução. Nenhuma das duas peças, diga-se logo de chofre, tem atores brilhantes, tampouco direções criativas. Cenografia? Iluminação? Figurinos? Nada disso é digno de nota. Mas os dois grupos conseguem dar seu recado de forma tão eficiente que os resultados chegam a ser tocantes.

No infantil Histórias da Caixola, em cartaz nas tardes de sábados e domingos na Sala Paulo Emílio, o autor e diretor Márcio Tavolari nos oferece, com muita dignidade, um resgate da figura regional do cantador andarilho, contador de 'causos', cheio de prosa, violeiro fantasioso, artista brejeiro do improviso. Nesse papel, aparece o veterano ator, cantor, compositor e poeta Luiz Carlos Bahia, que já fez participações, nessa mesma linha de atuação, em programas de TV como o infantil Bambalalão, da Cultura, ou a novela Acampamento Legal, da Record.

O espetáculo é todo dele, e gira em torno de seu personagem, o Zé Viola, que entra cantando pela porta dos fundos do teatro (quase todas as composições de sua autoria) e não quer parar nem na hora dos aplausos, quando diz à platéia: 'Voltem, porque pode ser que o próximo espetáculo seja totalmente diferente desse, já que isso tudo aqui foi inventado mesmo...' Que teórico acadêmico descreveria tão bem a essência da arte teatral?

A estrutura do espetáculo é um pouco arrastada, sem grandes arroubos de direção, com projeções quase amadoras no telão do fundo do palco e bonecos que surgem sem muitos cuidados narrativos e de manipulação. Mas tudo é tão sincero e cativante, que a platéia fica totalmente entregue aos bem narrados contos do Zé Viola para a rabugenta lavadeira Rosa (Rita Almeida) e à sua cantoria de pura singeleza. A seleção de contos e de músicas é acertada. Tavolari, como autor, não perde a rédea da fantasia e do enredamento das palavras. Mesmo as lições que quer pregar (como: não deixar a criança morrer dentro de nós) ganham o tom certo de ingenuidade na boca doce de Luiz Carlos Bahia e, assim, não soam moralistas.

No caso do juvenil Smack! Foi um Beijo Tipo Assim..., em cartaz na Sala Adoniran Barbosa às terças e quartas à noite, a Cia. dos Bonitos, fundada em 2004 pelo trio Djalma de Lima, Debora Machado e Juliane Pimenta, acerta em cheio na linguagem e no interesse de determinado tipo de adolescente: aquele que está vivendo intensamente a fase de namorar, beijar, ficar, ir para a balada. Com texto e direção de Djalma de Lima, Smack! não tem cenário (só caixotes pretos), não tem figurino (só camisetas de cores diferentes), não tem boas sacadas de iluminação, não tem uma trilha sonora coerente com a atual geração de adolescentes, não tem grandes atuações do elenco (Paulo Prazeres, Debora Machado e Isabella Trindade), ufa!, não tem nada disso, mas consegue ser bom, divertido e até emocionante.

A competência do texto é 100% a força do espetáculo. Djalma de Lima demonstra segurança total no desenrolar da trama, que é até bem simples e linear, mas o que vale é que ele não perde nunca de vista seu público-alvo: jovens intensos, exagerados, com altos e baixos de emoção a cada período do dia. Ou seja: adolescentes. Dramáticos, ridículos ou engraçados, mas sempre em doses transbordantes. Trancam-se no quarto, querem morrer, vomitam insegurança. Ou, então, dançam com energia inigualável, gritam escandalosamente, agarram-se, dão seus gritinhos de euforia a cada cinco minutos. A identificação da platéia só podia ser imediata. Desde a primeira cena. E o autor também não fica livre de querer dar suas lições (como: cuidado com o que te oferecem para experimentar nas festas), mas foge da chatice rançosa e, quando menos se espera, explode em bom humor.

As reações positivas das duas platéias (do infantil Caixola e do juvenil Smack!) vão muito além de apenas aplaudir de pé no final - o que, aliás, nada mais significa no teatro brasileiro, de tanto que esse ato mecânico de aclamação já ficou banalizado. O público de Histórias da Caixola e de Smack! Foi um Beijo Tipo Assim... realmente se envolve, participa, se emociona, ri, se identifica - e, aí, os calorosos aplausos finais, para essas duas atrações de produção precária, são meras decorrências de toda a aprovação desfiada com sinceridade no decorrer dos dois espetáculos. Essa é a magia do teatro.

|Serviço:
Histórias da Caixola. Recomendação da produção: a partir de 5 anos. 55 min. Sáb. e dom., 16h. R$ 10. Até 11/5
Smack! Foi um Beijo Tipo Assim. 60min. 11 anos. 3.ª e 4.ª, 19h30. R$ 10. Até 30/4
Centro Cultural São Paulo . R. Vergueiro, 1.000, 3383-3402.