Um Cebolinha por um Saramago

Fonte: Revista Da Folha

Está Aberta a temporada de feiras de trocas de livro nos parques da cidade. Até junho, sete deles vão abrigar amantes da leitura, em eventos que, em 2007, resultaram em 11 mil escambos
Beatriz Toledo/Folha Imagem
 Autor de um livro de cem páginas, Augusto, 12, levou 200 HQs para trocar no parque 


por Ocimara Balmant

Não importa o autor, o conteúdo, o preço de mercado ou o número de páginas. Um gibi do Cebolinha vale um Saramago e um Machado de Assis pode ser trocado por uma HQ do Superman na feira que movimentou o parque Buenos Aires, em Higienópolis, no domingo passado. Exceto as publicações de livros didáticos e de auto-ajuda, tudo pode ser negociado, e a permuta, em alguns casos, acontece em segundos.

Até junho, essa rotina vai se repetir em mais sete parques da cidade (veja na pág. 22), por onde passará a Feira de Troca de Livros e Gibis, promovida pela Secretaria Municipal de Cultura, sempre aos domingos, das 10h às 16h.

Um programa que atrai até mesmo quem ainda não sabe ler. Com o olhar compenetrado e absorto pela quantidade de livros, Rafael Cerello Pereira, 4, passeava boquiaberto entre as centenas de livros e gibis espalhados sobre as mesas. Para ele, bola e carrinhos são dispensáveis. Seu presente predileto são os livros. O momento mais especial do seu dia é quando vai para cama com uma pilha deles para que a mãe, Flávia, 38, leia histórias até ele dormir.

"Desde um aninho que eu já tinha livros", conta ele, orgulhoso, enquanto continua em volta da mesa, passando adiante as histórias decoradas em troca de novas. "Comecei com aqueles que tocavam música." Agora, ele não vê a hora de conseguir ler sozinho seus livrinhos para a irmã Roberta, 1 ano e meio.

Foi nessa toada de leitura que também cresceram os gêmeos Augusto e Henrique Labella, 12. Eles levaram mais de 200 HQs para trocar na feira. Todos os dias, os irmãos lêem ao menos um. Juntos, devoram 700 por ano. Tanto repertório fez de Augusto um escritor. No final de 2007, ele lançou seu primeiro livro, uma obra de aventura e terror chamada "A Ilha da Morte" (ed. All Print).

Augusto conta que está escrevendo outro livro, mas que a história ainda é sigilosa. Desta vez, quer escrever uma trama mais longa. Diz que a primeira é lida muito rapidamente. "Um livro de cem páginas eu leio de uma vez só, quero escrever livros mais longos e sempre com histórias de terror." Ele e o irmão, acompanhados pelo pai, ficaram mais de quatro horas na feira, comemorando cada troca. No intervalo entre uma nova aquisição e outra, leram mais de dez gibis.

A feira de troca de livros é um programa para todas as idades. "O Velho e o Mar", do escritor americano Ernest Hemingway, foi rapidamente encontrado pela psicóloga Heloísa Ribeiro Gomes, 63. Ela chegou à praça logo no início da feira, às 10h, carregando uma sacola com mais de 20 publicações e, exceto um ou outro livro que escolhia para sua própria coleção, seu alvo era selecionar obras para uma amiga que está desenvolvendo o interesse pela leitura.

"Este é um espaço em que deixamos o que já nos enriqueceu, para que outras pessoas tenham acesso, e abrimos os olhos para outras obras", concluiu, após quase uma hora de trocas.

Para Dalva Chagas dos Santos, 48, auxiliar de jardinagem do parque, bastava um livro para garantir horas de diversão e descoberta. Ela chegou com olhar desconfiado e saiu da feira com uma edição de "Branca de Neve e os Sete Anões". Primeira obra que Dalva, aluna de uma escola de alfabetização, vai ler sozinha.

"Escapei um pouquinho do trabalho para ver esse monte de livros", relata Dalva. "Pedi um que fosse fácil, porque eu ainda não sei ler bem. Mas estou aprendendo e vou conseguir ler a Bíblia e até preencher uma ficha de emprego. Nunca esmoreci com a vida, sempre fui esforçada." Ela diz que, assim que terminar a leitura de "Branca de Neve", vai doar o livro à netinha de 5 anos, para a garota "já crescer sabida".

Da turma de freqüentadores assíduos, a professora Adriana Watanabe, 36, chegou à feira com o filho Murilo, 4, uma sacola de livros e algumas encomendas: para o marido, algum título sobre negócios, para o caçula, HQs e obras infantis, e para Danilo, o filho de 18 anos, a idéia era conseguir alguma coisa que "combinasse com ele". E ela conseguiu bem mais do que previa.

Após as primeiras trocas, deu um passeio pelo parque e, na volta, fez o negócio do dia: trocou uma HQ por um livro sobre RPG. Danilo é fã do jogo, mas o orçamento doméstico ainda não tinha permitido a compra da publicação, que não sai por menos de R$ 90 nas livrarias.

De bônus, Adriana presenciou a alegria do doador. "Ele ficou feliz porque viu que a obra estava indo para quem vai aproveitá-la. A gente troca, e todo mundo lê coisa boa. É a sociedade do futuro", diz a professora, que quer continuar os escambos nos outros parques paulistano que abrigarão a feira.

Metade dos livros lidos atualmente não é comprada: as obras são emprestadas, ganhadas ou trocadas, segundo dados da Câmara Brasileira do Livro. Em 2007, a feira aconteceu em três parques: Carmo, Luz e Ibirapuera. No total, foram efetuadas 11 mil trocas por 5.100 usuários.

O secretário-adjunto da Cultura do município, José Roberto Sadek, passou pela feira, em Higienópolis, no horário do almoço. A Revista o flagrou pedindo que fossem recolhidos todos os exemplares do escritor Paulo Coelho, o autor brasileiro mais vendido no mundo. Rapidamente, "Brida", "O Alquimista", "Onze Minutos" e "Diário de um Mago" não estavam mais na banca "oficial". O produto, segundo o secretário, deve ser oferecido em parques localizados em regiões mais populares da cidade e não em um bairro tão intelectualizado. "No parque do Carmo, isso vai valer ouro", explicava aos funcionários.

Como forma de dar impulso ao troca-troca, independentemente do gosto literário, a Secretaria da Cultura monta as bancas com livros doados. Na abertura da feira, funcionários públicos fazem a intermediação das primeiras trocas. Mas a grande aventura mesmo é o escambo de livros entre os freqüentadores, sejam best-sellers, sejam clássicos da literatura ou seja a última aventura da Turma da Mônica.

números

O brasileiro lê uma média de 1,8 livro por ano, enquanto o inglês lê 5 e o francês, 7

47% dos alfabetizados declaram possuir no máximo dez livros em casa

16% da população concentram

73% dos livros

Fonte: Pesquisa Retrato da Leitura no Brasil (Câmara Brasileira do Livro)