Pesquisa resgata história do circo no Largo Paiçandu

Fonte: O Estado De São Paulo

Largo no centro de São Paulo foi palco de artistas por mais de um século; documentos, fotos e depoimentos são coletados para preservar tradição

Sérgio Duran

O Largo do Paiçandu, no centro de São Paulo, já foi ponto de encontro de trapezistas, contorcionistas, palhaços e até de duplas sertanejas e cantores populares que tinham o picadeiro como único espaço para ganhar a vida. Todas as segundas-feiras, eles se encontravam no fim da Avenida São João. Chamavam o momento de Café dos Artistas. “Quem olhava pensava que estava acontecendo algum tumulto, de tanta gente na rua”, conta o ex-trapezista José Wilson Leite, de 58 anos, hoje diretor do Circo Escola Picadeiro.

Com o tempo, o Café esfriou, o circo entrou em crise e o artista popular passou a ter opções mais rentáveis para apresentar o seu trabalho. Pior: começou a usar a internet e o telefone para vender seus shows. Antes que o último artista desista de visitar o Paiçandu atrás dos seus pares, a pesquisadora e ex-equilibrista Verônica Tamaoki, de 49 anos, lançou-se na aventura de resgatar a história do largo como endereço de arte circense. Encampado pela Secretaria Municipal de Cultura, o projeto está em fase de coleta de material e depoimentos.

Entre outros documentos encontrados, Verônica descobriu anúncios de espetáculos circenses que datam de 1887. “O Paiçandu é o ponto de encontro de artistas há mais de cem anos”, contou. “Começou com os circos de cavalinhos, que eram armados no largo. Depois, veio o circo do palhaço Piolim. Dos Trapalhões ao Sílvio Santos, não há ninguém que foi do circo que não conheça essa região.”

[DIA 25/2/08]Além de documentos históricos coletados, a pesquisadora gravou 13 depoimentos na Galeria Olido. Franco Alves Monteiro, de 68 anos, o palhaço Chuchu, último parceiro de Piolim, é um dos que levaram uma mala de fotos e documentos para ilustrar o seu testemunho. “Sou a quarta geração de palhaços da família”, disse. “Passo no Paiçandu de vez em quando para conversar com os antigos, mas não tem nada a ver com o que era antes.”

Chuchu viajou com circos como o Garcia e o Thiany, representa o Moscou, hoje ancorado em Santo André, e já foi proprietário do Aquarius. É pai do apresentador do SBT Luís Ricardo, um dos atores que representaram o palhaço Bozo. “Piolim era um grande amigo, era companheiro, conselheiro. Eu e minha mulher cuidamos dele no fim da vida, porque ele morreu sem eira nem beira, na lona”, recordou-se o palhaço.

O faquir argentino Eugênio Ledesma Ortiz, de 78 anos, conhecido como Yorga, é outro saudosista do Café dos Artistas. Foi onde durante décadas vendeu seus shows de contorcionismo, acrobacia, pirofagia e de engolidor de espadas. Yorga contou que engolia espadas de três tamanhos diferentes, a maior de 58 centímetros, mas que hoje em dia se contenta em abocanhar apenas a menor, de 38 cm. “Deitar em uma cama de pregos ou de vidro é besteira. É muito fácil. Mas a verdade é que ninguém quer mais ver essas coisas.”

No passado, Yorga usava o Paiçandu para fazer desafios. Ficou em cama de prego rodeado de cobras durante dias. Chegou a permitir que uma caminhonete média passasse sobre o seu abdome. Seus shows eram disputados pelos empresários circenses do local. “Para mim, o videoteipe é o que enfraqueceu o circo. Quem vai querer abandonar o DVD para passar frio?”, questionou.

Segundo a pesquisadora, em maio, será montada exposição na Galeria Olido sobre a história do circo no Paiçandu. Será o primeiro passo para, no futuro, construir um museu. Verônica pede a quem quiser contribuir com documentos ou relatos que procure o blog http://blogdocirco.wordpress.com ou entre em contato pelo e-mail pindorama@pindoramacircus.com.br. “Há muita riqueza para ser mostrada à cidade”, afirmou.