Um Conto Idiota para expor mazelas humanas

Fonte: O Estado De São Paulo

Jorge Garcia & Cia. se inspirou no universo dos palhaços

Livia Deodato

Um trauma de infância motivou o coreógrafo e bailarino Jorge Garcia a criar o espetáculo que estréia hoje, na Galeria Olido. Festa infantil, aquela algazarra: logo após mostrar a que veio, o palhaço pede para a criançada ficar quietinha, senão não ganha presente: 'Quem gritar não vai ganhar nada, hein?' Jorge, obediente, ficou no cantinho, esperando chegar a sua vez - que nunca veio. 'Fiquei com muita raiva daquele palhaço, o meu desejo foi o de vingança', diverte-se hoje.

O movimento dadaísta, iniciado em 1916 em Zurique, na Suíça, caracterizado pela criação nonsense, as obras dos cômicos italiano Ettore Petrolini, do brasileiro Nerino Avanzi, do artista plástico polonês Tadeusz Kantor e do fotógrafo checo Jan Saudek, além do medonho palhaço Krusty, dos Simpsons, serviram também como inspiração para Um Conto Idiota, cuja montagem foi contemplada pelo 2º edital do Programa de Fomento à Dança da Prefeitura de São Paulo. 'A nossa companhia de dança tem por característica abrir campo, se utilizar de outras linguagens artísticas, como teatro, cinema, literatura e circo', conta Jorge Garcia.

A semente do trabalho que estréia hoje foi plantada há cerca de quatro anos, quando Jorge montou Noite de Fortunello, um conto de Petrolini, em Ribeirão Preto. 'Começamos as pesquisas naquela época, mas só agora conseguimos nos aprofundar no tema', relata. No entanto, desde sempre, o mote trilhado pela Jorge Garcia & Cia. é o de expor as mazelas do ser humano, mostrar como ele lida com suas fraquezas, do querer sempre levar vantagem em tudo, aparecer por qualquer preço. 'Uma das cenas mais emblemáticas do espetáculo é quando uma menina é espetada com varetas. Quanto mais as pessoas a espetam e mais ela se sente encurralada, mais eles querem cutucar, empurrá-la para o buraco', conta o diretor.

A trilha sonora de Um Conto Idiota foi também uma sugestão de Jorge Garcia a Aguinaldo Bueno, que fez uma releitura de peças clássicas de Bach com outras do rock dos The Doors. O diretor, responsável pela concepção e coreografia, dá total liberdade aos artistas para criarem suas cenas em cima do tema proposto. 'O elenco formado especialmente para esse trabalho fez diversos laboratórios como, por exemplo, passar o dia inteiro sem falar, só sentindo o que está ao seu redor. Trouxeram textos, imagens, idéias, que juntos construíram o trabalho que apresentamos a partir de hoje', diz Garcia, que tem no currículo participações na Cisne Negro Companhia de Dança, Balé da Cidade de São Paulo, no filme Carandiru, de Hector Babenco, e na série Rá-Tim-Bum, da TV Cultura.

E o que o palhaço é? Ladrão de muié? Garcia penou um bocado para responder. 'O palhaço carrega consigo uma dualidade - ao mesmo tempo que te dá ingenuidade, um ar engraçado e bobo, ele é uma figura esquisita, tem suas neuras, suas contradições. E quando sai do palco é nostálgico. Tem muito dos seres humanos.'

Serviço:

Um Conto Idiota. Galeria Olido - Sala Paissandu (136 lug.). Avenida São João, 473, centro, tel. 3331-8399. 5.ª a sáb., 20 h; dom., 19 h. Grátis. Até 16/3