Prefeito apaga a luz

Fonte: Jornal Da Tarde

José Pastore

A construção da biblioteca demorou 20 anos. Ficou pronta em 1592, data da inauguração da Trinity University College, em Dublin, na Irlanda.

Já havia estado em Dublin para assistir a festivais de teatro quando elencos maravilhosos apresentam diariamente as peças de Bernard Shaw, Oscar Wilde e outros gênios da dramaturgia irlandesa. Mas, nas ocasiões, visitei a biblioteca com muita pressa. Desta vez, fiquei horas sentado no meio da sala principal, enamorado pelos livros de mais de 400 anos, todos bem cuidados.

Na entrada, estão os Livros de Kells, que têm 800 anos! Tratam-se de manuscritos produzidos pelos monges celtas que incluem o texto dos quatro Evangelhos, ilustrados com uma caligrafia complexa e desenhos belíssimos, página por página. Uma preciosidade. Tudo muito bem conservado.

Estive na Irlanda no início de fevereiro para fazer uma conferência na Fundação para a Melhoria das Condições do Trabalho, mantida pela União Européia. De volta ao Brasil, deparei-me com a notícia de que o prefeito de São Paulo fechara quatro bibliotecas no Jardim da Gloria, Tatuapé, Vila Mariana e Lapa.

Eu, que nunca aceitei o fato de as bibliotecas não abrirem aos sábados e domingos, fiquei surpreso e estarrecido com o fechamento definitivo.

O meu amigo Ignácio de Loyola Brandão, que é membro do Conselho Consultivo das Bibliotecas de São Paulo, estava tão surpreso quanto eu. Nunca foi convocado para uma só reunião do colegiado. Sentia-se envergonhado, indignado e irritado por ter de confirmar o lamentável decreto do prefeito. Lygia Fagundes Telles, que estava na conversa, beirou os prantos.

Maior do que o absurdo praticado foi o argumento utilizado: pouco uso. Ora, se esse é o caso, a Prefeitura tem por obrigação modernizar a biblioteca para atrair as pessoas assim como é de sua responsabilidade fazer campanhas de incentivo à leitura. Se os brasileiros lêem pouco, eles lerão menos ainda com bibliotecas fechadas.

Não posso acreditar que essa decisão mal pensada venha a prevalecer. O senhor prefeito haverá de ter a elementar sensibilidade para reascender a luz que ele mesmo apagou.

PROFESSOR DA FEA-USP E MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS
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