Filmes para lembrar do centenário de La Magnani

Fonte: O Estado de São Paulo

Grande diva italiana é homenageada em ciclo de clássicos, alguns do início de sua carreira, como Abasso la Ricchezza, de 1946, de Gennaro Righelli

Luiz Zanin Oricchio

Há uma pequena seqüência de Roma, de Fellini, quando o diretor, ele próprio, bate numa casa e uma senhora atende. Em seguida, ela diz, na cara de Fellini, que não tem confiança nele e manda-o ir dormir. Quem é a mulher? A grande Anna Magnani, em sua penúltima aparição no cinema. O filme é de 1972. No ano seguinte, ela morreria, tendo realizado apenas mais um trabalho, para a televisão. Este ano se comemoram os 100 anos de La Magnani, que encarnou, como nenhuma outra atriz, o espírito da sua cidade, onde ela nasceu e morreu.

Por isso, não existe filme mais associado ao seu nome do que Roma - Cidade Aberta, marco zero do neo-realismo italiano, dirigido por Roberto Rossellini. Há um dado interessante sobre esse filme. O neo-realismo ficou conhecido como o movimento cinematográfico que levava as produções às ruas e filmava com gente desconhecida, atores não-profissionais. Isso é apenas parcialmente verdade, já que a própria Magnani era uma atriz conhecida quando trabalhou nesse filme do pós-guerra.

Acontece que Anna tinha mesmo a cara do povo e podia interpretar, melhor do que qualquer desconhecida, aquela mulher comum das ruas de Roma, que era pedida por uma produção que falava da resistência aos nazistas durante a 2ª Guerra Mundial. Uma das cenas que protagoniza é de antologia, uma das mais conhecidas do cinema italiano, quando tenta acompanhar o carro que leva seu marido, preso pelos alemães, e é abatida pelas costas por um dos nazistas.

Anna tinha mesmo essa cara de povo. Por isso pôde ser, com tanta naturalidade, a protagonista de Mamma Roma, de Pier Paolo Pasolini. O papel é de uma prostituta que precisa largar a profissão para ter a guarda do filho, um garoto problemático. Duvido que alguém já tenha visto esse filme sem se comover com o esforço da mulher para agradar ao filho estróina e consumista. Magnani está inesquecível e, por seu rosto forte, passam as emoções contraditórias e básicas, o medo, a alegria, a raiva, a devoção. Todo o instrumental do sentimento humano está lá, nessa fábula dura e ao mesmo tempo terna de Pasolini sobre a pobreza italiana nos primeiros anos depois da guerra.

Magnani trabalhou com os grandes nomes do cinema italiano e, nessa lista, não poderia faltar o de Luchino Visconti, que a dirigiu em Belíssima. Aqui ela é Madalena Cecconi que tem o sonho de tornar a filha pequena uma estrela do cinema. O filme é de 1951 e faz uma espécie de alerta sobre a nascente indústria do entretenimento e sua voracidade. Há uma dualidade entre o desejo da mãe de ter uma filha famosa e a consciência do custo da celebridade. Enfim, esse culto à fama é tão antigo quanto o cinema, mas há um momento em que a consciência do seu preço fica evidente para os envolvidos. É disso que fala Belíssima.

Anna Magnani trabalhou também com um mito francês como Jean Renoir, em A Carruagem de Ouro, homenagem do diretor à Commedia dell'Arte. A atriz faz parte de uma trupe de comediantes que viaja a uma colônia espanhola nas Américas. Anna, que faz vibrar tão bem os registros dramático e trágico, mostra-se também à vontade para exercitar sua veia cômica. O filme é delicioso, naquela chave da leveza com senso de profundidade, típica de Renoir.

A mostra apresenta alguns outros títulos de menor circulação hoje em dia como Assunta Spina (1948), de Mario Mattoli, L'Onorevole Angelina (1947), de Luigi Zampa, e Abasso la Ricchezza (1946), de Gennaro Righelli. São diretores cujos nomes não ficaram tão marcados na história do cinema mundial quanto os de Rossellini, Visconti e Pasolini. Mas que dirigiram com sabedoria a grande atriz nos papéis em que ela se sentia melhor. Seja como Angelina, que incentiva um saque em tempo de fome, ou como a vendedora de frutas que enriquece no mercado negro, Anna estava sempre à vontade quando encarnava a mulher das ruas da Itália.


Serviço:
Anna Magnani, 100 Anos. Hoje, 16 h,
Mamma Roma (1962), de Píer Paolo Pasolini; 18 h,

Nós, As Mulheres (1953), vários diretores; 20 h, Belíssima (1951), de Luchino Visconti.
Centro Cultural São Paulo - Sala Lima Barreto (110 lug.). R. Vergueiro, 1.000, 3383-3402.
Grátis (ingressos 1 h antes). Até 2/3