Camping "nerd" na Bienal une fissurados em computador

Fonte: Folha de São Paulo

São 900 barracas e cerca de 3.000 participantes em evento que vai até domingo
Cerveja, cigarro, drogas e sexo são proibidos, sob pena de expulsão; inscrição custou R$ 100 -e mais R$ 100 para as refeições

LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

Junte 3.000 meninos e meninas (idade média 23 anos) em um pavilhão. Monte 900 barracas para que eles durmam e/ou descansem na hora que quiserem. Forneça-lhes alimentação abundante. Vai rolar uma bagunça, certo? Errado, se o local é o megaevento de tecnologia chamado Campus-Party, que começou ontem em São Paulo e reunirá até domingo uma tribo de fissurados em computação.
Os amigos Lincoln Furlan Ando, 16, Mateus Pinesi de Souza, 17, e Gabriel de Oliveira Morganti, 17, viajaram 300 km de São José do Rio Pardo até o Pavilhão da Bienal, no parque do Ibirapuera, para participar da feira. O pai do Mateus fez as vezes de motorista dos meninos, cada um levando um saco de dormir e seu próprio computador, para plugar em rede.
Cerveja, cigarro, drogas, sexo? Esqueça. Apesar das barracas e da juventude, nesse festival de "nerds", ou geeks (como eles também se chamam), tudo isso é proibido. Assim mesmo, sem ambigüidade: proibido.
No andar em que as barracas azuis com o logotipo do patrocinador estão montadas em perfeito alinhamento, o pessoal da segurança está orientado: barulhos, gemidos, fumaças suspeitas, bebidas alcoólicas ou mesmo a movimentação excessiva são motivos suficientes para expulsão sumária.
No "Nerdstock" da Campus-Party, a loucura rola em outras áreas. Miguel Povh, 16, estudante de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, está sentado em uma bancada em que se vêem torres de computador "vestidas" de monstro, de motor de carro, transparentes e com efeitos especiais de iluminação. Grafitadas. É a turma que pratica a modalidade conhecida como "modding", ou "personalização de gabinetes".
Com seus 20.000 praticantes de modding, o Brasil é uma das mecas mundiais da categoria em que Miguel é uma espécie de Leonardo da Vinci. No último concurso internacional de modding artístico, ele ficou entre os cinco primeiros.
Cada participante do Campus-Party pagou R$ 100 de inscrição. Quem quis pagou outros R$ 100 para receber café da manhã, almoço e jantar todos os dias do festival. Comida boa, banheiros limpos -mais uma surpresa.
O segundo andar do Pavilhão da Bienal foi todo ocupado por bancadas em que cada participante instalava o seu micro. Ao todo, 3.000 lugares com conexões de internet.
Mas é um silêncio. Jogos, músicas, tudo o que produz ruído é escutado com fones de ouvido. O contato real é quase nulo, substituído pelo virtual.
Bruno Rodrigues, 21, conversava ontem pelo Messenger com seu vizinho de bancada. Tímido, como reconhece, ele considera mais "livre" o bate-papo por computador do que "ao vivo".
No andar térreo, os patrocinadores da feira disputavam a atenção dos meninos (apenas 22% do participantes são meninas). Na Virtual Sphere, por exemplo, Glauco Silveira, 19, matou 300 inimigos que ele só enxergava graças aos óculos especiais, que projetavam as imagens diretamente na retina. Ele também corria dentro de uma esfera, e os movimentos de seus passos davam o compasso da ação que se passava no óculos. "Barato total", disse.
Também tinha kung fu virtual, jogos em rede, morticínios em série. Mas, quando parecia absoluto o poder da tecnologia, no fundo do salão térreo levantava-se um vozerio diferente. Cheio de garotos, o estande old fashion, movimentava-se com jogos bem reais. Lá estavam a mesa de bilhar, os campinhos de futebol de botão e pebolim, as mesas de xadrez e damas e até um kit de cata-varetas. Zero tecnologia para matar as saudades, que ninguém é virtual.