Papéis Efêmeros da Fotografia


Papéis Efêmeros da Fotografia
Curadoria Rubens Fernandes Junior
16 de maio a 13 de setembro de 2015 – Casa da Imagem

Por volta de 1920, o efervescente triângulo central paulistano compreendia a rua São Bento, rua Direita e rua 15 de Novembro. Os efeitos da riqueza gerada pelo café produzido no interior paulista deram um ar cosmopolita à cidade de São Paulo. Era surpreendente encontrar nos restaurantes, nos magazines e nas galerias os políticos, jornalistas, intelectuais e os filhos dessa elite cafeeira que representava a irrequieta juventude que buscava alguma modernidade naquele centro ainda provinciano.

Em fevereiro de 1922, sabemos, realizou-se a Semana de Arte Moderna no Teatro Municipal. A cidade irradiava cultura e buscava seu cosmopolitismo nas experiências da vanguarda europeia que muito alimentou o desejo libertário desses jovens, filhos da burguesia que comandava a política e os negócios no estado. Aos poucos, a fotografia, até então praticada pelos profissionais com seus estúdios instalados e concentrados na região central, vai ampliando sua esfera de atuação. Esses jovens, após algumas viagens à Europa, adquirem o gosto de produzir suas próprias fotografias.

Simultaneamente a esse movimento, temos a entrada de milhares de imigrantes vindos particularmente no pós-guerra, atraídos pela possibilidade de se estabelecerem no campo ou na cidade. No caso das casas fotográficas, temos a presença de imigrantes alemães, italianos, húngaros, franceses, austríacos, que já traziam alguma experiência na área. Os sobrenomes Farkas, László, Stolze, Lutz, Ferrando, Vignoli, Salerno, Lunardi, entre outros, passaram a ser conhecidos pela qualidade dos seus serviços técnicos oferecidos.

A cidade pulsava a partir das múltiplas aspirações e inquietações vindas de uma Europa mais liberada, moderna e freneticamente envolvida com experiências estéticas que, aos poucos, ressoavam no Brasil. Foi nesse momento que a fotografia amadora ganhou espaço e sua produção começou a crescer exponencialmente. Não temos números que comprovam essa afirmação, mas pela ampliação das lojas e pela presença de novas filiais, tanto na região central como do outro lado do Viaduto do Chá, podemos constatar o crescimento desse comércio especializado e técnico.

O cinema, as revistas ilustradas, a presença dos cartazes de propaganda no espaço urbano, o movimento dos bondes e dos automóveis evidenciam a importância que a fotografia adquire nesse momento de total mudança nos hábitos socioculturais. O cidadão comum, com todos esses estímulos, quer participar da história não apenas como espectador: ele próprio quer construir sua história, particularmente no que diz respeito às imagens que irá produzir para documentar seu cotidiano, sua família, suas viagens e outras aventuras.

Nesse cenário de transformações intensificadas, é natural que a fotografia ocupe um lugar de destaque. A imagem produzida pelo fotógrafo amador adquiriu status diferenciado, pois ele desenvolveu não mais as regras rígidas a que era submetido no estúdio profissional, mas experiências sensoriais de um universo visual totalmente novo. Puro êxtase ao registrar fotograficamente o mundo em movimento.

Diante dessa demanda, as marcas dos produtos e as casas fotográficas passam a oferecer um serviço cada vez melhor. Isso inclui a produção de envelopes de papel nos quais devolviam os filmes revelados e as cópias. Nesses pequenos fragmentos do processo, desarticulados e quase desconhecidos, é que concentrei minha atenção a fim de ressignificá-los para a história. O encontro se deu aos poucos, pois no início o que me encantava era exatamente encontrá-los desordenados, perdidos nos percursos erráticos dos documentos inexpressivos.

Após reunir uma interessante coleção, surgiu a necessidade de tentar compreender sua eventual importância nessa cadeia produtiva e verificar se ela representava efetivamente esse novo homem das primeiras décadas do século XX. Percebi que há uma história que fica nas bibliotecas e nos arquivos públicos e uma história que fica dispersa, esperando alguma atitude que tenha força para lhe atribuir alguma credibilidade. Foi essa tensão que me permitiu desenvolver a pesquisa Papéis Efêmeros da Fotografia. 

O que são impressos efêmeros? Observa-se uma redundância à medida que o papel como suporte é efêmero, tanto pela sua fragilidade quanto pela sua questionável durabilidade. Por outro lado, seria importante refletir para além dessa questão, pois “papéis” e “efêmeros” comportam uma polissemia que amplia a discussão. Que papéis pode desempenhar uma fotografia? São efêmeros, no sentido de serem transitórios e passageiros? A fotografia é um efêmero que carrega vários significados? Nesse sentido, o título é apenas uma licença poética para instigar o leitor, pois não se trata de um livro ou exposição de fotografias, mas sim sobre fotografias, ou melhor, sobre aspectos do fazer fotográfico.

O impresso efêmero, do inglês printed ephemera, vem despertando um interesse cada vez maior entre historiadores, pesquisadores e colecionadores. A palavra “efêmero” deriva do grego – epi, sobre, em torno de; e hemera, um dia – e, literalmente, significa a essência das coisas que são temporárias, que duram um dia, têm vida curta.

O sonho de todo pesquisador é dar forma à solidão e ao delírio que busca retirar do esquecimento sobras encontrados ao acaso. É estranho ver agora o efêmero entrar pela porta da frente da Casa da Imagem. Ficou bem na foto.