Bixiga. O mais fiel retrato da cidade

Um pólo de cultura, gastronomia e dificuldades sociais, com seus teatros, cantinas, cortiços e histórias, que podem ser conferidas no ''Museu Memória do Bixiga''.

“O Bixiga é um estado de espírito. Você sente quando está no Bixiga, você cheira à Bixiga”. Era assim que Armandinho Puglisi, o Armandinho do Bixiga, definia os limites do bairro, um tanto controversos. Bairro que, na verdade, deixou de ser chamado oficialmente de “Bexiga” em 1910 para tornar-se Bela Vista e cujo nome ele insistia em escrever com i, da maneira como é pronunciado pela maioria das pessoas.

O fato é que, quase um século após a mudança, o Bixiga permanece no coração e na memória dos paulistanos por ser o mais fiel retrato da cidade: um pólo de cultura, gastronomia e dificuldades sociais, com seus teatros, cantinas e cortiços.

Bixiga ou Bexiga?

Há pelo menos duas teorias para a origem do nome. Primeira: foi tomado de Antonio Bexiga, dono da hospedaria no Largo do Piques (atual Praça da Bandeira) e das terras do bairro no início do século XIX e que teria sido vítima de varíola, recebendo por isso a alcunha.

Segunda: veio do matadouro público da rua Santo Amaro, construído em 1774, que comercializava bexigas de boi. Em 1878, um jornal anunciou a venda dos terrenos “das matas do Bixiga”, iniciando então o processo de loteamento e formação do bairro. Para lá se mudaram imigrantes italianos que não se adaptavam ao trabalho nas lavouras e escravos fugidos ou recém libertos.

“Os italianos desenhavam a planta da casa no chão de terra com uma bengala e assim determinavam os terrenos”, conta Afonso Roperto, cujo bisavô veio para o Brasil em 1886. Em 1942 ele abriu uma cantina na rua Treze de Maio, comandada hoje por Afonso. É por este costume que as casas mais antigas do Bixiga são estreitas e compridas. Como nos fundos era mata, cada um avançava até onde quisesse. A padaria Basilicata, fundada em 1904, segue a mesma ‘arquitetura’. Nos fundos da casa havia uma cocheira já que as entregas naquela época eram feitas a cavalo.

Arcos da Rua Jandaia

Mais antigos que as cantinas e armazéns são os Arcos da Rua Jandaia, construídos provavelmente no século XIX como muros de arrimo para contenção de enchentes. Os arcos foram descobertos por acaso na década de 80, quando os prédios que haviam sido construídos em frente a eles foram demolidos. Outro pedaço da história do Bixiga está na Casa de Dona Yayá, hoje sede do Centro de Preservação Cultural da USP. Yayá era uma órfã rica que teria apresentado sinais de demência muito jovem, e foi internada em um sanatório por seus tutores. A casa foi construída no final do século XIX e restaurada em 2001 pela USP.

O Bixiga é rico em histórias e personagens, muitas delas preservadas no Museu Memória do Bixiga. Como a do ladrão Gino Amleto Meneghetti, um “arrombador de classe”. Meneghetti, contam os mais antigos, roubava os casarões da avenida Paulista e fugia facilmente pelos telhados. Seu primeiro roubo teria sido aos 11 anos, em Pisa, sua cidade natal. Desafiava e desacatava a polícia, mas acabou passando 19 anos preso no Carandiru. No entanto, na rua em que morava era querido e considerado um benfeitor.

O samba do Bixiga

A comunidade negra, que se concentrava nas áreas mais próximas à avenida Nove de Julho, deu a contribuição que faltava ao bairro: o samba. A Vai-Vai, fundada como bloco carnavalesco em 1930, é hoje uma das escolas de samba mais tradicionais da cidade, tendo sido campeã diversas vezes.

Seus ensaios atraem jovens vindos de todos os cantos da cidade. Já Adoniram Barbosa não nasceu no Bixiga mas era freqüentador assíduo e homenageou seu bairro do coração em várias canções, entre elas “Samba no Bixiga”.