II Encontro formativo sobre o acolhimento institucional de crianças e adolescentes imigrantes refugiadas desacompanhadas

 Foto: Wagner Origenes

Por Denise Kanda

Religião, posicionamento político, violação dos direitos humanos, nacionalidade, raça, pertencimento a algum grupo social e até mesmo recrutamento forçado. Esses são os motivos pelos quais milhões de crianças e adolescentes têm saído de suas casas e buscado refúgio em outros países, representando um total de 51% de refugiados do mundo - segundo dados da ACNUR (Agência da ONU para Refugiados), e muitas vezes desacompanhados.

O encontro teve como intuito apresentar as diversas dificuldades e circunstâncias pelas quais essas crianças e adolescente têm passado até chegarem aqui.

O evento que aconteceu nos dias 3 e 4 de outubro abriu a discussão com dois curtas-metragens perante a temática do drama do refúgio sob a ótica de uma criança. O olhar do perigo real da fuga, muitas vezes feita por botes precários, a questão da fome durante essa luta pela vida foi mesclada à fantasia e a imaginação da criança, no curta, personificada em monstros.

O encontro proporcionou aos profissionais dos SAICAs (Serviços de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes) uma riquíssima troca de informações a respeito dessas crianças e adolescentes, que vêm de diferentes partes do mundo, com múltiplas culturas, idiomas, classes sociais e dificuldades. Outra questão explorada foi a alta possibilidade de muitas dessas pessoas virem desacompanhadas de pais ou familiares, o que dificulta ainda mais na comunicação entre o profissional e o refugiado.

Isabel Bueno, coordenadora da Proteção Especial da SMADS, relatou que mesmo com as dificuldades a Prefeitura tem cumprido o seu papel, abrigando atualmente cerca de vinte crianças e adolescentes imigrantes (nem todos refugiados) nos serviços de acolhimento para crianças e adolescentes . O maior desafio atualmente é a chegada das mulheres angolanas no país, que segundo Isabel chegam muitas vezes grávidas de seis, sete meses. "Essa demanda nova se depara com a formação de uma nova rede de apoio ao estrangeiro. Fazendo a construção desse desafio no dia a dia, de acordo com o que a máquina pública permite", conclui.

Luciana de Souza Braga, técnica da Proteção Especial da SMADS, acentuou que a falta de conhecimento de outro idioma pode trazer, e traz sim problemáticas, no entanto um olhar, um gesto de carinho, de atenção à esses jovens são muito mais importantes, afinal é possível sentir, passar o calor do afeto e da preocupação a esses jovens.

Em sua apresentação, Larissa Leite, doutora em direitos humanos e coordenadora de proteção do Centro de Referência para Refugiados da Cáritas, proferiu o quão costumeiro é crianças e adolescentes chegarem sem nenhum documento, ou pelo menos alegarem estar sem nenhum. Mas assegurou que ainda assim essas pessoas têm direito total à proteção do Estado e aos seus serviços como saúde, assistência social e educação pública.

A crítica ao Estatuto do Estrangeiro implementado - e nunca modificado - no período da ditadura militar brasileira foi outra pauta explorada. Daniel Chiaretti, defensor público da União, apontou que essa medida tem subentendida o contexto nacionalista, enfático à defesa nacional, e à defesa do trabalhador nacional, "o atual panorama legislativo é incapaz de dar conta com a realidade das migrações no Brasil", dificultando assim o refúgio propriamente dito dessa população no país.

Indo para além de papeis e teorias, Rose Dionísio, gerente do SAICA Santana, relatou ao auditório casos de refugiados que foram acolhidos no serviço. Um deles é sobre um garoto da República do Congo, que veio ao Brasil após passar vinte e um dias dentro do porão de um navio . O menino que apenas falava francês, e sequer conhecia o computador surpreendeu a todos do serviço que nunca tinham lidado com uma situação assim, tão diferente das já enfrentadas. O intenso contato entre o SAICA e a Cáritas proporcionou ao garoto o encontro com alguns de seus familiares que já estavam aqui no Brasil, através de uma profissional do instituto que reconheceu o sobrenome do garoto.

Infelizmente há uma tendência em aumentar o número de refugiados pelo mundo, como Vinicius Feitosa, membro da ACNUR, proferiu, nunca houve tantos refugiados pelo mundo como agora. Dos 65,3 milhões de solicitações e refugiados do mundo, 98.400 são demandas de crianças e adolescentes desacompanhadas e infelizmente não existe, em âmbito federal, uma solução do que fazer com essas crianças assustadas que não sabem falar português e mal conhecem o Brasil.